quinta-feira, junho 24, 2010

Tenho pedido à poesia um lugar de verdade, mas não existe ninguém que queira dançar com a pessoa vaidosa, que cuida muito de si, que engraxa os sapatos, antes do baile. Tenho pedido à poesia um lugar onde possa ser a pessoa desatenta, com dores na hernia e tudo por aprender. Tenho pedido a mesma linguagem, a sensação de um mesmo território em que as palavras só seguem o que vem no final, depois de concluida a derrota ou o encontro. Tenho pedido um riso. Um tempo. A sensação de dor e a sua partilha. Tenho estado à espera do que se perde, destinado à percepção de conhecer um sorriso e saber que as dentaduras apenas mastigam matéria ácida e morangos de compra. Tenho estado à espera dos partidos políticos, para dizer que sou de direita e de esquerda, para dizer que a vida não é feita de partidos nem de decisões tomadas à boca da urna. Tenho estado neste jardim delicioso de sucata e gasolina e estradas com portagens e empregados que não fabricam calças que não visto. Neste jardim onde sinto que não não tenho amigos, porque o lugar é inóspito. Tenho estado à espera de um cravo, de uma revolução, tenho estado à espera de ser um ditador na vida de muita gente, para concluir que as certezas são coisas dos homens e das abelhas e dos leões e de toda a gente que se toma por animal. Tenho pedido muita coisa à poesia. Mas não quero que ela me obrigue a nada. Quem manda sou eu.

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