sexta-feira, junho 25, 2010

Tédio

Estamos chateados e não temos ilusões.
As nossas árvores não frutificam fantasias,
dão flores de sangue
e frutos abortivos de dor.
Atiramos pedras pr'além do muro
e escutamos o som opaco da queda.
O muro é de silêncio
mas as pedras têm arestas e levantam nuvens de caliça
que pairam no ar.
Subimos uma avenida de acácias,
passeios brancos e asfalto grosso.
Não nos interessam as acácias, os passeios brancos
e o asfalto grosso.
Vai um homem connosco.
Enquanto diz das futilidades
de Miss Dawson
outros olham-nos como se fôssemos a parte negativa
deste mundo restrito.
Em distante estrada plena de sol
dum qualquer país distante
Henri, o marinheiro, caminha com o céu sobre a cabeça-
Não atiramos pedras em vão.
Continuamos a subir de mãos nos bolsos
e, porque agora, muitos nos olham
inviamente,
no cimo, cuspiremos o chewing-gum
de encontro à parede.

- Rui Knopfli
in Memória consentida (poesia 1959/1979),
Biblioteca de Autores Portugueses

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