não há jogadas estudadas.
Cada um garante aquilo que vai ser.
O Fisga jogava ao ataque, entrava
a matar, fuzilava o guarda-redes
sem má consciência, e depois festejava
sozinho. Tomou-se empresário de import-export
com tráficos de fundo social europeu.
O Tino perdia-se em fintas
de belo efeito e nenhum seguimento.
Muitas vezes o erguemos do chão.
Dedica-se às artes ornamentais.
Três exposições só no ano passado.
A falta de jeito do Trocas
fazia-nos rir. Estava sempre a perder
a bola, conseguia acertar
nas janelas mais altas.
Meteu-se nas drogas, morreu afogado
num dia de Junho.
Já o Lipe, o soletre Lipe, ninguém tinha tanto
futuro: hábil em todos os campos, lia o jogo
como um general, conduzia a bola
como quem sabe para onde vai. Hoje em dia,
gestor de futuros na Bolsa de Londres.
O Croas era o mais instável.
Teve dias de ser levado em ombros
contra dias de morrer sozinho.
Uma só coisa nele era constante,
a incapacidade de fazer batota,
de simular a falta, de discutir a clareza
de uma derrota. Acidente de trabalho,
vive, ao que dizem, de meia pensão.
E havia o Tono Bom, que gostava
de bater. Corria atrás de nós
e sabia magoar. Recusava o arbítrio
dos regulamentos. Destinado a ficar
na bancada da vida, quem sabe onde pára.
Cá atrás, entre duas pedras,
a marcar os postes, eu fazia o possível
por suster a vaga, por manter inviolada
a confiança no sentido do jogo.
E agora, invento memórias, relato desaires.
- José Miguel Silva
in Vista Para Um Pátio seguido de Desordem, Relógio D’Água
Sem comentários:
Enviar um comentário