quinta-feira, maio 20, 2010

Imaginei a vida de um modo diferente
Uma rua cheia de merceeiros e bacalhau à vista
Comprado em Novembro.

A mulher vende peixe, há muito tempo. Mudou apenas o fornecedor que tem a filha doente e que, talvez por isso, peça contas.

Imaginei outros olhos
Coisas revisitadas no espanto que seria encontrar-te, como se fosse sempre a primeira vez.

Eu julgava que as coisas caíam em repetição
Como a sucessão dos dias.
Mas agora observo as árvores tombadas na distância e sei
Que a filha do fornecedor de peixe morreu há muito tempo.
Ainda deixou um filho
E teve um funeral digno
Descansando em campa rasa.

E eu esqueci a rapariga
Esqueci o cemitério
O lugar onde repousa.
Esqueci a peixeira e o fornecedor de peixe.

Talvez nem possa ser fiel a essas memórias
Mas sei que conheci, em tempos, uma peixeira que vendia no mesmo lugar
E um fornecedor de peixe que teve uma filha.
Pouco mais.
Daquilo que sei ou possa saber
Pouco importa.
Nada vai alterar a história de uma peixeira
Que vendia no mesmo lugar.

E não consigo situar o lugar de todas estas coisas.
Sei que existiu uma banca com sardinhas e peixe-espada
mas não sei onde ficava o mercado
Nem o cemitério
Onde a rapariga repousa.
Dorme, em qualquer lugar.

Existe em qualquer lado
Uma história parecida com esta
De alguém que não consegue esquecer uma peixeira
Um fornecedor
A filha morta.

Em qualquer lado, alguém delira com esta repetição.

Todos os dias
A qualquer hora
Vou ao mercado
E
Peço peixe.

Sem comentários: