segunda-feira, maio 17, 2010

II (Chapim-Real)

Para Pedro Tamen

O baloiço não oleado que range
e duplica, sem infância remota
nem criança dentro, o canto

do pássaro invernal que teima,
nas altas latitudes temperadas,
despertar-me às cinco da manhã.

Vem do mais fundo da noite
lembrar-me que o dia será duro
e o sono vão, instila uma angústia

difusa nos lençóis, onde o corpo
no cansaço de ser se esvai
e demora entre náusea e torpor,

enquanto a máquina de chilrear
busca romper paredes,
trazer os claustros de Fevereiro

para dentro de casa (aninhar
nos ouvidos a verruma do bico):
contagiando com a ferrugem do canto

a querela dos traços na ramagem,
chama-se de volta à escravidão
do tempo a sua voz de hematite,

o seu apito de fábrica, diz-me
que a sorte do dia a decidiu
este som de hélices ou rolamento

de esferas na hora fria e deserta,
o meu capataz, o meu pássaro
metalúrgico, feitor da madrugada.

- Paulo Teixeira
in O Anel do Poço, Caminho

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