sexta-feira, janeiro 15, 2010

Shostakovich. Sinfonia "Leningrado"

Lembras-te? A Joana tinha morrido.
Tu e eu íamos de carro para o norte,
até ao apartamento em frente ao mar,
e ouvíamos esta sinfonia.
Começámos a viagem
numa manhã luminosa. No interior da música,
o dia era de muros cobertos de gelo,
sombras de transeuntes com sacas meio vazias
e trenós com cadáveres sobre o lago.
Como uma pista de aterragem ao sol,
a auto-estrada fugia e, através dos sons,
estendia-se a névoa dos obuses
e as impressões dos tanques na neve.
Era uma manhã de Julho de ouro azul
a lampejar no vidro do mar.
Nos metais e cordas ressoava
a glória, que está sempre no passado,
recusando, sempre recusando, a vida.

De noite ficava apenas o rumor
das ondas debaixo do terraço.
Por outro lado, dentro de nós, como dentro da música,
rugia o temporal de neve e ferro
que se desata quando a história passa a página.

- Joan Margarit
(tradução de Rita Custódio e Àlex Tarradellas)
in Casa da Misericórdia, Ovni

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