para C.M.
Agora que estamos sós podemos falar príncipe de homem para homem
ainda que estejas tombado nas escadas e vejas o mesmo que uma formiga morta
nada senão um sol negro com seus raios quebrados
As tuas mãos sempre que pensava nelas faziam-me sorrir
e agora que jazem sobre a pedra como ninhos derrubados
parecem tão indefesas como antes O fim é precisamente isto
As mãos caídas A espada caída Caída a cabeça
e os pés do cavaleiro enfiados em macias pantufas
Sem nunca teres sido soldado terás um funeral com honras militares
o único ritual que mais ou menos conheço
Não haverá círios nem cantos apenas mechas e tiros de canhão
crepes arrastados pelas ruas elmos botas cavalos salvas de artilharia
tambores e tambores nada de muito refinado eu sei
serão essas as minhas manobras antes de tomar o poder
há que agarrar a cidade pelo pescoço e sacudi-la um pouco
De qualquer modo terias que morrer Hamlet não foste feito para a vida
acreditavas em noções cristalinas e não no barro dos homens
sempre em sobressalto como num sono perseguias quimeras
mastigavas o ar com voracidade para depois o vomitar
das coisas humanas não sabias nada nem sequer respirar sabias
Agora alcançaste a paz Hamlet levaste a cabo o que te competia
e alcançaste
a paz O resto não é silêncio é antes pertença minha
escolheste o papel mais fácil o golpe elegante
mas o que é uma morte heróica comparada com a eterna vigília
tendo na mão uma fria maçã um alto cadeirão
com vista para o formigueiro e para a esfera do relógio
Príncipe adeus tenho assuntos a tratar a questão dos esgotos
o decreto respeitante a prostitutas e mendigos
há também que elaborar um melhor sistema prisional
já que tu próprio o disseste e bem a Dinamarca é uma prisão
Vou tratar dos meus assuntos Esta noite nasceu
uma estrela chamada Hamlet Aqui nos separamos
as coisas que deixarei ao morrer não serão dignas de uma tragédia
Pessoas como nós não se dão as boas vindas nem se despedem vivemos
em arquipélagos
e essa água essas palavras que podem elas fazer príncipe que podem
- Zbigniew Herbert
Versão (a partir do inglês) de José Miguel Silva
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