quarta-feira, janeiro 06, 2010

Cervejaria Leirião, 16h40

para o Rui Pedro Gonçalves

Há trinta anos, neste mesmo sítio,
dificilmente porias a questão de saber
se a poesia é uma emoção comunicável,
um modo triste de conhecimento
ou uma arte perfeitamente inútil.
Levantavas-te, tentavas chegar ao balcão
e pedias rebuçados, com os bolsos cheios
de berlindes e a vida inteira –
que te parece agora tão pequena – à frente.

Onde isso já vai. Sentado na esplanada
que veio agraciar fumadores
e outros brandos vadios, reparas que
alcatroaram o caminho que te levava à escola
– a esses dias de medo, urina, solidão
que não passou nem passa nunca. Pedes outra cerveja,
aliviado de não seres já aquela criança mimada.
Ao teu lado, na esquina da taberna, és informado
por escrito da morte da mulher do «Direitinho»
(esse que te cortou, tantas vezes, o cabelo).
E lembras-te do filho deles, do Luís, que tinha a tua idade
mas nunca pôde dizer «há trinta anos»
ou sequer «há vinte», pois morreu mais cedo, de leucemia.
Constou, na altura, que foi «um enterro muito concorrido».
Mas eu apenas olho a estrada – perfeitamente alcatroada,
é certo – e não consigo ter saudades de passados
e futuros em que ainda não me imagino morto.
(Tentava, de novo, ser da altura do balcão, pedir
Genebra que nos tornasse a noite suportável.
Ficávamos, por duzentos escudos, os três bêbados.)

Pouco depois, ao jantar, a minha mãe insiste
em pôr mais sal na sopa – e diz que a vida não é triste.
Porque acredita em Salazar, Jacinta Marto, Bento XVI.

Nunca perceberá que, para mim, o paraíso
é um comboio para Lisboa,
um modo, enfim, de me poder calar.

- Manuel de Freitas
in Telhados de Vidro nº13, Averno

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