terça-feira, dezembro 22, 2009

Uns diários (1937-1944)

Nas páginas ressequidas e amarelas
das agendas desses anos
estende-se a sua letra, dela e dele,
miúda, aproveitando todos os espaços
entre o dia do mês, da semana,
e os nomes dos santos.
Desdobra-se, ofuscada e luminosa,
a paixão de viver. Até mesmo
nos lixos do medo.
Escrever serviu-lhes para estarem juntos
apesar das gavetas vazias, desesperadas
como ataúdes da guerra, e aqueles comboios,
abarrotados, sujos, lentos, que os separavam.
Tentaram escapar-se daqueles anos
com palavras de amor, cobrindo de musgo
as rochas ásperas onde depois a vida,
mais dura do que a guerra, os espatifou.

Porque a intimidade é como um subterrâneo,
sempre esconderam estas agendas.
Hoje o seu amor, como o dinheiro
republicano ao acabar a guerra,
já não é de curso legal. Não lhes serve para nada.
O passado volta, mas a vida
já o desmascarou.

- Joan Margarit
(tradução de Rita Custódio e Àlex Tarradellas)
in Casa da Misericórdia, Ovni

Sem comentários: