sexta-feira, novembro 27, 2009

Uma fotografia de Ed van der Elsken,
de que não sei a data e que não voltei
a ver O Amor na Margem Esquerda
mostra um oriental muito novo.
Fustigado pela abundância do sonho,
sob o rumor da subterrânea corrente do
desejo, adormeceu a uma mesa de café.
Rosto de flor de cerejeira
em repouso sobre o vidro. As pálpebras
fixadas no virar e voltar do sono, que
é como quem se sente diverso no espelho
dos cafés. Sobre o tampo da mesa, bem
junto à face, entre um copo e um cinzeiro
com duas amarrotadas notas de 100
francos, uma folha de papel, em notícia,
dizia
Para ir fazer amor
eu preciso de 450Frc.
Aceito todas as dádivas.

Não me acordem

No rebordo do cinzeiro a palavra cigarra.
Também ele cantou o abrir dos sentidos ao
amanhecer. Também ele cantou as coisas
mínimas como se fossem pertença de um
gozo pleno e infindo.
A cada jogada, fora ou dentro do seu sangue,
surgia uma cidade desconhecida com
novas praças e ruas, novas estátuas, fontes,
as trevas de um jardim.
Agora, de olhos cerrados, espera o brando
pousar da última nota, o latir caído da derradeira
moeda

para diminuir a distância e
adormecer no corpo um modo de ver.

- João Miguel Fernandes Jorge
in Mãe-do-fogo, Relógio D'Água, 2009

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