domingo, novembro 15, 2009

Da entrevista a Graham Greene

Não conseguimos compreender bem porque é que acha tão importante para um romancista ser dominado desse modo.
Porque se não o for terá de confiar por completo no seu talento, e o talento, mesmo que em alto grau, não é sustentáculo suficiente para realizar o que quer que seja; já uma paixão que nos guia, como disse anteriormente, dá a uma estante de romances a unidade de um sistema.

Sr. Greene, se um romancista não tiver essa paixão a guiá-lo, ser-lhe-á possível construí-la?
O que é que quer dizer com isso?

Bem, coloquemos as coisas nestes termos, e espero que não estejamos a parecer-lhe impertinentes: o contraste entre os lugares dos seus romances, como Nelson Place e o México, e este apartamento em St. James é acentuado. A cortesia, e não a tragédia, parecem reinar nesta sala. Sente ser difícil, na sua própria vida, viver com o alto grau de percepção que exige às suas personagens?
Bem, é bastante difícil responder a isso. Poderia explicitar um pouco melhor a questão?

Em O Nó do Problema pôs Scobie a dizer: «Mostrem-me um homem feliz e eu mostrar-vos-ei amor-próprio, egoísmo, maldade ou então uma absoluta ignorância.» O que nos inquieta é o facto de o senhor nos parecer muito mais feliz do que esperaríamos. Talvez estejamos a ser bastante ingénuos, mas as setenta e quatro garrafas miniatura de uísque, a expressão do seu rosto, bastante diferente daquela que costuma surgir nas fotografias, toda esta atmosfera parece resultar de algo muito mais positivo do que aquela condição bastante limitada de felicidade que descreve em O Poder e a Glória nesta passagem: «O mundo é todo ele uma única peça: está empenhado em todo o lado na mesma luta subterrânea... não há paz em lugar nenhum onde haja vida; mas há zonas tranquilas e activas.»
Ah sim, estou a ver o que o perturba. Acho que me julgou mal, a mim e à minha consistência. Este apartamento, o meu modo de vida – tudo isto é apenas o meu buraco no chão.

Um buraco bastante confortável.
Vamos deixar este assunto por aqui?


- Entrevistas da Paris Review, Tinta da China

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