quinta-feira, novembro 12, 2009

Aquele que alimenta os mortos

Sublinhei um adjectivo num poema de Celan
que fala do tempo e da morte e foi
como se a giz desenhasse os contornos de um cadáver,
como se o servisse de bandeja não sei para Quem ou Qué
(pois muitas são as bocas que nomeiam, mas só uma nos silencia).
Digo em voz alta esse adjectivo e o seu fantasma surge,
vem até mim implorando que lhe dê nova substância,
calor e casa; que o recupere, tire das ruas e lhe mostre
o que é feito do mundo e das suas sombras, as palavras.
E antes de ir dormir com o osso desse adjectivo entre os lábios,
chego-me à janela e observo o poema incompleto da noite,
penso num homem buscando um adjectivo no fundo do Sena
ou do Tempo onde estão todas as vozes, todas as sombras.
E então recordo o que Kafka escreveu numa madrugada como esta:
Que enquanto os fantasmas engordam, nós deixamo-nos morrer.

- Jesús Jiménez Domínguez
in Fundido en Negro

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