para Manuel de Freitas
Hei-de , talvez, chegar a velho com o croché
da melancolia, como esses tantos que,
com mais e menos idade,
arrumam as horas nos jardins,
aprumados na sueca
ou noutras fúrias colectivas.
Entreter-me-ei, de desculpa em desculpa,
como se preparasse terreno
para um féretro de pompa,
assistindo. Apenas isso.
Porque um dia fui crente?
Não, apenas novo, sensível
- por distracção ou excesso pop -
ao que se mistura com as palavras
com que aprendi a ler e a escrever.
Poderá ter sido por higiene,
pelo prazer dos banhos secos
que certos livros oferecem.
Não sei, tudo o que conheço é
dos homens, mesmo o que se calhar
nunca foi e que chamam de
mistério, de magia. Sei que rasurar e
rezingar contra imagens e falinhas
mansas foram os modos que soube,
que pude, para estancar o medo
- sem dar por isso eram já armaduras,
asfixia -. Quiçá da razão, do ser-se
adulto. Deve ser. Não devem faltar
as análises, os argumentos, a argúcia.
Acontece que, ainda vivo, ainda
com o mesmo corpo, talvez como
analgésico, dou por mim mais atento
a sofrer contigo as estórias
de quantos, prisioneiros, pedem fora,
ao mundo, as razões e emoções
para uma dor que mesmo fingida
deveras sentem. E gostaria, como tu,
que a vida fosse tão-só o que é
sem que me sentisse espectador ou cúmplice.
Gostaria que não doesse tanto.
- Carlos Bessa
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