sábado, outubro 10, 2009

Um poeta

Eu nunca gostei de bolinhos da sorte.
Quando tinha fome bebia um copo de água,
um refrigerante. Era suficiente, até à próxima crise.
Praticava, com algum desdém, a arte do jejum
filosófico. Não conseguia acreditar em palavras
com mais de cinco letras. A realidade,
talvez por isso, negou-me o brevet de aviador.
Nem Dédalo nem Píramo nem nada.
Eu olhava com terror o sorriso das praças.
Na cabeça de um menino via o mapa do inferno,
e até o amor me deixava sem palavras. Poeta?
Não. Apenas um enorme desejo de cegar.
Em suma, fui um triste, um céptico, um homem
estacado na fronteira entre verdade e pânico;
muito rente aos afectos e desconfiado,
sempre, da ideia de cintilação.

- José Miguel Silva

Sem comentários: