"É uma nova Bíblia…O Último Livro. Quem não tem nada a dizer, di-lo-á aqui…anonimamente. Esgotaremos a era. Depois de nós, não haverá nem mais um livro…pelo menos durante esta geração. Outrora, cavámos às escuras, guiados apenas pelo instinto. Agora temos um receptáculo onde verter o fluido vital, uma bomba que, quando a arremessarmos, detonará o mundo. Enriqueceremos o livro de tal forma, que os escritores futuros tirarão dele os seus enredos, as suas tragédias, os seus poemas, os seus mitos, as suas Ciências. O mundo poderá alimentar-se dele durante os próximos mil anos. É de um pretensiosismo colossal. Fico abalado só de pensar no livro.
Nos últimos cem anos, ou talvez mais, o mundo, o nosso mundo, tem vindo a definhar. E nem um homem, durante os últimos cento e tal anos, foi maluco o suficiente para enfiar uma bomba no cu da Criação e detoná-la. O mundo apodrece, morrendo aos bocados. Mas precisa do coup de grâce, precisa que o desfaçam. Nenhum de nós está intacto, mas temos cá dentro todos os continentes e mares entre os continentes e as aves do ar. Vamos acabar com isto…com a evolução deste mundo que morreu mas que ainda não foi enterrado. Nadamos na superfície do tempo e tudo o resto afogou-se, ou está a afogar-se, ou vai afogar-se. Será enorme, o Livro. Será vasto como oceanos; poder-se-á caminhar nele, perambular, cantar, dançar, escalar, mergulhar, dar saltos mortais, choramingar, violar, matar. Uma catedral, uma verdadeira catedral, que todos os que perderam a identidade ajudarão a erigir. Haverá missas para os mortos, orações, confissões, hinos de louvor, gemidos e tagarelice, uma espécie de despreocupação assassina; haverá rosáceas e gárgulas e acólitos e quem leve os caixões. Poderão trazer cavalos e galopar pelas naves laterais. Poderão dar cabeçadas nas paredes…estas não cederão. Poderão rezar na língua que quiserem, ou poderão enroscar-se no exterior e adormecer. Durará mil anos, pelo menos, esta catedral e não poderá ser duplicada, pois os seus construtores estarão mortos e a fórmula também. Teremos postais e organizaremos excursões. Construiremos uma cidade em redor e criaremos uma comuna livre. Não precisamos de génio para nada… o génio morreu. Precisamos de mãos fortes, espíritos que estejam dispostos a abandonar a alma e a assumir a carne…”
Nos últimos cem anos, ou talvez mais, o mundo, o nosso mundo, tem vindo a definhar. E nem um homem, durante os últimos cento e tal anos, foi maluco o suficiente para enfiar uma bomba no cu da Criação e detoná-la. O mundo apodrece, morrendo aos bocados. Mas precisa do coup de grâce, precisa que o desfaçam. Nenhum de nós está intacto, mas temos cá dentro todos os continentes e mares entre os continentes e as aves do ar. Vamos acabar com isto…com a evolução deste mundo que morreu mas que ainda não foi enterrado. Nadamos na superfície do tempo e tudo o resto afogou-se, ou está a afogar-se, ou vai afogar-se. Será enorme, o Livro. Será vasto como oceanos; poder-se-á caminhar nele, perambular, cantar, dançar, escalar, mergulhar, dar saltos mortais, choramingar, violar, matar. Uma catedral, uma verdadeira catedral, que todos os que perderam a identidade ajudarão a erigir. Haverá missas para os mortos, orações, confissões, hinos de louvor, gemidos e tagarelice, uma espécie de despreocupação assassina; haverá rosáceas e gárgulas e acólitos e quem leve os caixões. Poderão trazer cavalos e galopar pelas naves laterais. Poderão dar cabeçadas nas paredes…estas não cederão. Poderão rezar na língua que quiserem, ou poderão enroscar-se no exterior e adormecer. Durará mil anos, pelo menos, esta catedral e não poderá ser duplicada, pois os seus construtores estarão mortos e a fórmula também. Teremos postais e organizaremos excursões. Construiremos uma cidade em redor e criaremos uma comuna livre. Não precisamos de génio para nada… o génio morreu. Precisamos de mãos fortes, espíritos que estejam dispostos a abandonar a alma e a assumir a carne…”
"Trópico de Câncer", Henry Miller
Editora Presença
Sem comentários:
Enviar um comentário