Para a Beatriz e o David
As mãos na bacia e a testa apoiada
contra o beijo frio do espelho, reflexo
que não me disse nada. Na mesa
os cotovelos, um livro, a faca a meio
do limão; a pepsi, a água e dois dedos
de whisky. Não era muito, o suficiente
talvez – mais que tudo quis deixar
espaço a uma simplicidade em que
coubéssemos os três.
Sob a linha silenciosa que o mar feria,
íamos adiantando o olhar e ainda atirámos
bem longe. Depois puxámos juntos um resto
de luz que tirou gozo morrendo-nos no colo,
deixando uma sombra que se apertou
nas nossas mãos.
Estava a queixar-me já não sei de quê,
entreguei-lhe um suspiro e a voz dela
alargou-se aos poucos, clareando
antes de apressar os lábios numa frase
que nos deitou ao chão quando
nos lembrámos de rir… Foi isto ou perto:
“(…) depois de uma noite de amor naquela
recta de Ranholas, banco de trás do opel
corsa, nascemos ontem mas ficámos a pé
toda a noite”.
Não quis saber se era só nossa ou se
a tinha trazido para ali. Deixei que
segurasse o dia enquanto um corpo,
junto a outros tempos, contornava
as mesas para nos dizer que “agora
vamos ter que fechar”.
Caminho tão estreito, passos que não
nos levariam a mais nada – adiante
só um muro desfeito. Sentados, os pés
já descalços sobrevoando a vegetação
rasteira e pouco à frente uma flor a sós
de cor meio abandonada. Lírio que
ia deixar-se apagar ali com o último
cigarro, esse que partilhámos. E a noite,
confiante que teria de novo estes três
até o sol voltar.
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