terça-feira, setembro 29, 2009

O hiper-realismo em Pier Paolo Pasolini

“Uma Vida Violenta” foi publicado pela primeira vez em Milão em 1959 e gerou uma torrente de críticas por parte de Organizações católicas e do partido Comunista Italiano. Mas a crítica literária italiana considerou-a desde logo uma obra fundamental da literatura contemporânea. No mesmo ano Pasolini recebeu o “Prémio Literário Città de Crotone”. Do júri, faziam parte, Alberto Morávia, Giuseppe Ungaretti e Carlo Emílio Gadda.
A acção passa-se em Pietrala, um bairro dos subúrbios de Roma. Narra o crescimento: infância, adolescência e início da vida adulta de Tommaso, personagem central e do seu grupo de amigos mais próximos: Lello, Zucabro e o Cagone. No bairro prolifera a prostituição e o roubo. Aí os amigos crescem juntos, roubam e divertem-se juntos. Mas Pasolini não crítica de forma simples a sociedade italiana do pós-guerra, retrata-a sem qualquer interpretação.
O símbolo é usado de uma forma muito concreta num hiper-realismo levado ao extremo que potencia os aspectos de absurdo que a realidade sempre permite que aconteçam. Bom exemplo disso é a cena em que Cagone rouba o azeitoneiro, velhote da província que vende azeitonas numa esquina de Pietrala. Cagone pede que lhe dê azeitonas, o azeitoneiro exige primeiro uma nota. Cagone irrita-se, exige-lhe as azeitonas, todos os outros atrás se riem. O azeitoneiro insiste, Cagone pega numa nota, molha-a bem no balde gorduroso, esfrega-a na cara do azeitoneiro e com uma patada deita-lhe o balde abaixo. Ele fica no chão a queixar-se. É uma história simples de subúrbio ausente de qualquer simbolismo, daí hiper-real.
A alegoria não entra em Pietrala, o mito de uma sociedade desgastada da guerra também não se adequa aqui. Pietrala não chega a ser Roma. Os amigos que a certa altura pertencem a movimentos de extrema-direita vagueiam pelas ruas à toa, metem-se com as prostitutas, às vezes vão a Roma assaltar um ou outro que passe. São de extrema-direita só porque os outros são e isso é um elemento que une, que provoca identificação e pertença a um grupo, a periferia nutre-se e sobrevive desse tipo de relações, necessita de união para sobrevivência.
O trama não é essencial, o essencial é a relação de um grupo de amigos que crescem juntos. Não são a cidade eterna que cai e se levanta, são só um grupo de amigos, muitos entre outros em Roma ou em qualquer grande cidade ocidental.
Pasolini utiliza o calão, a linguagem urbana, a linguagem interna de certos grupos de amigos que noutro contexto deixam de fazer sentido. Lello que cresce com Tommaso, cedo começa a ir para a vida. Aluga um recém-nascido a uma mulher sem dinheiro e com muitos filhos e com ele ao colo pede nas ruas. Tem que recorrer muitas vezes à assistência do Vaticano que oferece sopa quente à noite. Numa das vezes ao comer a sopa depara-se com um preservativo na tigela. Tommaso é preso e passados dois anos regressa a um novo bairro social recentemente construído. Consegue trabalho num mercado de peixe e na apanha da melancia. Fica doente de tuberculose, mas só lhe é descoberto quando faz os exames para o serviço militar. É internado num hospital para doenças pulmonares. A mãe do Cagone, prostituta, é morta pelo chulo depois de uma discussão. No fim há umas grandes cheias num rio perto de Pietrala. Tommaso tenta salvar pessoas em perigo mas é ele que acaba por morrer.
O condicionalismo histórico (Social, Económico e Cultural) é usado por Pasolini com uma grande originalidade, é ele e não Tommaso, a personagem principal. É ele que determina a formação e acção dos grupos. Em Pasolini a vontade individual é um factor ilusório que às vezes parece possível ou se torna possível mas nunca determinante. Pode-se falar num anti-romance em que a trama pode ser muito parecida com a tragédia grega, numa altura em que Roma começa a recuperar da segunda Guerra. “Uma Vida Violenta” é uma alegoria ausente de simbolismo, uma novela hiper-realista em que a ficção não tem lugar, porque também ela existe e porque também ela é suja.

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