“Robert Creeley fala, inteligentemente, da sua poesia
e Dario Belleza disparata contra os poetas estrangeiros
– os convidados para este curioso festival –
enquanto afirma a supremacia dos poetas romanos,
isto é, ele próprio – pequena polémica provinciana –.
Mas ali, no cenário, não está a poesia, nunca estará.
A poesia és tu a trazê-la, nesta noite tórrida de fim de Julho,
sem saber nada de mim, nem sequer se escrevo,
sentada com os teus oitenta anos, o cabelo cuidadosamente
pintado,
os teus medalhões, o teu pequeno gato numa caixa
e as tuas mãos no ar recitando d’ Annunzio,
na esplanada deste bar deserto de Piazza Cavour.
Sei que esperas, enquanto me contas encantadoras mentiras,
que te pague este copo, que te ofereça umas liras,
o que não sabes, o que nunca saberás,
é até que ponto me fizeste feliz.
«Dizia-me d’Annunzio», repetes, inventas, recitas
e escutam-se os seus versos na praça em silêncio,
enquanto o empregado retira já as mesas.
Duse Fingida desta noite louca,
carrancas de proa, rindo-nos tu e eu,
sem o querer trouxeste-me, de verdade, a poesia,
a sua mistura de fábula e sonho, de fantasma e fracasso,
a sua verdade obscura que nunca se define.
Duse Fingida, muito obrigado por tudo,
brindemos por d’Annunzio este último copo,
agora que se perde no ar o eco da tua voz,
e por entre as árvores vem um pouco de aragem.
Que nossas vozes roucas de tanta gargalhada
e o teu rosto de magia, de paixão e de farsa
nos expliquem um pouco este absurdo destino
este estranho esconjuro que afirma que vivemos ainda.”
“Poemas” – Juan Luis Panero
Tradução e Prefácio de Joaquim Manuel Magalhães
Relógio D’Água
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