De manhã
o café derramado sobre a colcha
alarga lentamente à pele, ao sangue.
O vento brinca no terraço, vai
e regressa quebrando o caule dos aloés,
levanta um pouco as cortinas e a luz
entra murmurando como se não visse
o mesmo todos os dias, resfolega,
depois já o dia nos sobe em cima
e nós saímos para almoçar.
Almoçámos e a seguir não foi preciso
perguntar-lhe se íamos a algum lado,
seguimos. Subindo a mesma rua
e aparando as sebes, um desses jardineiros
municipais que lá se deixou alcançar.
Tirou o boné, verde-claro e sujo,
fixou uma extensão imprecisa e não sei
se cantavam pássaros, mas houve ali
alguma sincronia que reparou em nós.
Pequeno atraso cardíaco – das raízes
ao fruto uma palavra que não dissemos
mas que inchou, agitando-se nos ramos.
A sombra da amoreira pulava
um muro baixinho, do outro lado
nós dois tínhamos arranjado
um bom lugar. O rapaz seguiu sozinho.
A espaços, começavam a desprender-se
as primeiras folhas, rasgadas
e seguiam soltas na aragem,
naquele belíssimo vómito de cores
e sons cobrindo o espaço curto
que rodeava um espelho d’água.
Foi apontando, divertida, e deixou
tantas frases a meio
começando outras, como
com o olhar, tenso ou furtivo,
dava a sensação que se perdia.
Mais Rimbaud que Baudelaire, eu é
ao contrário. Como também só dobro
enquanto ela pega e rasga as páginas de
que gosta mais. Têm-nas com ela,
e depois oferece-as se tiver a quem.
Ao pescoço um pequeno cantil,
leite fresco, mel; um bom pedaço de
tempo e um cigarro de menta por acender,
distrai-se de um canto ao outro da boca.
Enche bem as mãos e puxa alguns tufos
de erva tenra, deixa-os à tona da água
e mexe com o pé descalço.
A esta hora não vem mais ninguém.
Estranha isto e aquilo – tudo coisas
muito normais –, depois
quer saber das músicas, cinema,
e não gosta claro, nem concorda. E da poesia
esperas o quê?, e eu nada, é claro, mas
olha, uma fonte meio escondida
e longe (cascos de rolha soa-me bem), onde
parem adolescentes sem interesse por livros,
que entre beijos e apalpões decorem,
sem querer, dois, três versos meus.
Esqueço na imagem um sorriso aparvalhado,
ela balança-se em frente, puxando por um
outro assunto, põe-se de pé e faz-me
correr uns bons metros atrás dela.
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