De rosto empapado numa manhã que
dormiu pouco com o mar,
estranho ainda os lugares de ontem.
Espreguiço-me e empurro a colcha da cama,
cheia de desenhos de criança
e barulho. Um recreio ou assim,
aquele balanço todo
a apertar-se em cada gesto.
E a luz chega louca atrás das coisas, meio
desajeitada, uma fibra de doçura
alargando em nosso redor a mancha de cores
lentas e os frutos sobre a mesa
comendo-me os olhos.
Fica o que as palavras, desde cedo,
aprendem com isto
de nos deixarmos quietos, às vezes
beber, fumar um cigarro.
Distâncias maiores ou menores
que se põem e sobram para os lábios.
Vou sair, vens?
Olha como se dão as ruas, como as desço
a esta voz que murmura a si mesma,
ou assobiadas com as mãos indo
fundo demais nos bolsos.
E agora deixa-me mostrar-te,
ali, defendida entre valados, o sumo
e as sombras na azinhaga das nespereiras.
A cinco minutos, nem tanto,
a barraca do Cabral que prefiro a esta hora
quando a maré aviva, soa
junto à infância e assim dá para ouvir
a minha mãe: Diogo, não te afastes
muito. E eu: muito não, mãe.
Só vejo este, não sei outro jeito –
perco-me por detalhes, sirvo-me
e sigo que a estória é minha para contar
o que me apetecer.
Então o que fazia sentido há muito, era eu puto,
volta a ter sentido agora. Os livros sem ilustrações
que se fodam, e os poemas que não invejam
letras de canções ou onde, também,
não acontece nada e só ficam para colar sons
com imagens aborrecidas… Lembra a estúpida
da televisão ligada aqui atrás.
Mas chega-te mais, olha aquela,
a do cabelo apanhado num lápis, ou solto
se escreve. Vigia e morde-lhe a ponta,
absorvida no último derrame
do sol – que artista! – antes mesmo
de o vermos desistir.
Vamos chamar-lhe Beatriz.
E a esta? Trigueira, corte à rapaz, espetado
em tantas direcções. A blusa de alças
de um rosa garrido, aqueles pés descalços e cruzados
sobre o banco, e eu que se soubesse desenhava-os,
mas assim digo-te que são bonitos, imagina,
tão certinhos. E é isso,
manténs a afluência, uns riscos,
umas linhas até nos pegar
o sono, borrando tudo,
empurrando-nos levemente
sobre as margens do sonho.
Sem comentários:
Enviar um comentário