terça-feira, agosto 11, 2009

Escrito na areia

Um resto de alegria desatenta
era o que aguentava a vila
até inícios de junho. Traços firmes
carregando a dimensão útil do abandono,
dias conseguidos a uma visão
interminável: o galope de uníssonos
cavalos de cinza na eterna viagem
que faz o mar. Sítio onde me foi fácil
passear, beber, entristecer-me
– assim mesmo – de propósito.

O arco do peito sustido
sobre tons leves, a base de uma doce
pintura, espalhando acertadamente
um certo rubor sedativo. As casas abaixadas
pelo sol: esmerava-se a luz, adocicando
a pequena inclinação entre as ruas
mais de trás e as primeiras esplanadas.

Não foi de muitos a brisa amorfa
que desenhava os toldos, escorrendo
sobre o nosso colo.
Alguém trouxe um rádio a pilhas
pelo pulso, sentou-se e deu folga
a uma musiquinha invertebrada que veio,
se agachou aos nossos pés, dobrando-se
no calor do fim de tarde.

Pude jurar que tive intervalos sem nada,
sem pensar, melhor ainda: sem um sinal
de mim. Mas a distância é uma razão
pontual, e junto a essa hora
viu-se tocada. Talvez fosse
um eco, o movimento
dos tecedores de rede emagrecidos
contra aquele fundo azul cansado.

Os lábios esses comia-os o silêncio,
a língua voltando sobre o pequeno
abismo que me dispõe a prosa
nesta mancha vertical.

Aos poucos uma sombra ganhava
outra, juntavam-se muitas
e vinham ganhar-me a voz e dar-se
em lenta descrição. O mar também,
adiantando-se calmamente,
para ler o que deixei escrito na areia.

Só estragos e insistências, uma força a que
já não quero chamar desejo. A feia flor
extraída de uma juventude inútil;
deuses comuns e outros murmúrios,
uns quantos golpes – tudo isto que
tenho contra ti.

Dessa vez e só dessa, soube-me bem levar
com os pontapés e gritos das crianças
bordadas ali, na linha d’água.
Pequenos estupores quase felizes
que mesmo o mar cansavam. Este,
para seu gozo, lá agarrava um
a ver se o afogava.

Voltei atrás, pedi lume e dei
com um sorriso brusco batendo
certo com gestos iletrados. Um gajo
que depois, talvez por piada, se fez
de tímido, deitando-se nuns olhares
de menina,
a beijar leves, vagas sugestões.

Devia ser normal aquilo, uma rotina
sem preocupações de estilo, mas tão viva.
E quando em mim não via já nada
ainda tirou do saco que tinha
uma maçã,
trincou a parte bichada do fruto
e estendeu-me o que restou.

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