Quantas vezes sonhei com um suspiro
como uma morte doce.
Vicente Aleixandre
Deixei um suspiro saltando entre telhados
e o trauteio num fim de tarde, em Julho,
com pássaros poucos metros abaixo
da janela, a chávena de café e umas folhas
soltas sobre o parapeito, sensíveis ao acre
olor de um domingo com alguma vontade
de chover.
Lavei a cara com sabão, deixei estar
a camisa de flanela no seu jeito sujo
de abrir para o peito (um desmazelo já
de semanas seguidas). Ela deu por isso
e não disse nada. Deixou-me o secador
de cabelo na mão e fez sinal para que
a ajudasse com o fecho do vestido.
Tudo muito assim, diluído na força
linear das coisas e gestos. Quando saímos
a noite já engrossava, chegando-se
a nós e à ocasião que tínhamos
para comemorar. Enquanto jantávamos
um piano foi gozando connosco,
notas remissas e indecisas pingando
num jazz sem muita vontade, mas que
enfim levantou a doçura enrouquecida
de uma voz que pudemos beber.
Ardíamos algures, talvez
de alcoólica ternura, isso e o desasado
calão que nos confundia entre clientes
mais habituados a paraísos sobre ruínas...
Assim cada um dos deuses lisboetas,
inábeis mortais.
Estendeu-me um fósforo aceso,
próximo dos olhos, e as sombras
juntaram-se neles. Fecho-os, molho-as,
deixo-as afogar. Fumo um, outro,
mais alguns cigarros, todos à espera
entre os dedos como flores
remotas, a implorar extinção.
Era outro nome, não o dela, esse
que me adormecia na boca – um gosto
a cinza que nenhum beijo escondeu.
Distraída, segurava sozinha a frágil
chama de um sorriso, a mim,
levou-me ainda um pouco
para chegar à canção que,
aos pedaços, vinha cambaleando
nos lábios dela – let us die young
or let us live forever…
Dava toda a importância
às letras, ela que não desistia. Eu, que
não fiz outra coisa, ainda prefiro música
da que vai magoando sem explicar como.
Seguia-nos já de rastos o desejo
repetindo por nós as horas, os olhares;
era tão tarde e a voz ficava difícil,
demorando-se a pedir o fim e a conta.
Só quando já regressávamos choveu
por um bocado, um despejo mole
caindo sobre recordações de nada.
Outra coisa a que, na altura, também dei
menos importância do que ela.
Sem comentários:
Enviar um comentário