sexta-feira, julho 03, 2009

As palavras do poeta

Depois das palavras mortas,
das recém-pronunciadas ou ditas,
o que esperas? Umas folhas errantes,
mais papéis dispersos. Quem sabe? Umas palavras
desfeitas, como o eco ou a luz que morre além na noite enorme.

Tudo é noite profunda.
Morrer é esquecer umas palavras ditas
em momentos de delícia ou de ira, de êxtase ou abandono,
quando, desperta a alma, pelos olhos espreita
mais como luz que qual hábil rumor.
Hábil, posto que preparado fosse
por força do seu som sobre uma página aberta,
apoiado em palavras, ou elas com o rumor penetram
o ar e depositam-se. Não com suprema virtude,
mas com uma ordem, infalível, se querem:
Porque obedientes, elas, as palavras, submetem-se
ao seu poder dóceis
pousam-se soberanas, surgem sob a luz
por uma língua humana que se dedica a exprimi-las.

E a mão reduz
seu movimento a encontrá-las,
não: a descobri-las, útil, enquanto brilham, revelam,
quando não, desenganadas, se evaporam.
Assim, imóveis por vezes, dormem,
resíduo final de um fogo intacto
que se morreu não esquece,
mas débil sua memória abandonou, e ali se encontra.

Tudo é noite profunda.
Morrer é esquecer palavras, impulsos, vidro, nuvens,
para se submeter a uma ordem
invisível de dia, mas certa na noite, num imenso abismo.

Ali a terra, rigorosa,
não permite outro amor que o centro inteiro.
Nem outro beijo que sê-lo.
Nem outro amor que o amor que, afogado, irradia.

Nas noites profundas
correspondência encontrassem
as palavras abandonadas ou adormecidas.
Em papéis errantes, quem as sabe ou esquece?
Alguma vez, porventura, ressoarão – quem sabe? –
em alguns corações fraternos.

- Vicente Aleixandre

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