domingo, maio 31, 2009

acho que me chegas à ponta mais recurva da terra
só para daí sussurrar que antes do salto terei falhado
que ainda trago tudo por sofrer

acho que desapareceste sumido como o gnomo
antes do precipício pés fincados na frágil
ponte de madeira que range do cansaço
para que não nos escolhêssemos de bolsos e encruzilhadas
para que não nos tivéssemos de encruzilhadas e encruzilhadas
num para sempre sem mãos

acho que temos entre nós um gesto combinado
já decidido que nos roubará para sempre
de dentro um do outro irreparavelmente
tão sofregamente quanto é possível
caminhar sobre o chão e ter febre

acho que me vens de gumes e de arestas
e de ter sede
acho que me chegas de longe
de me virar contra janelas
e esperar o teu vulto sobre o horizonte
afinal uma casa caiada de branco
e uma rapariguinha diáfana
a vermelho contra o umbral da porta
que se agita de um acenar de mãos
que se alastra e se perde em dias rumorosos

acho que te trago de perfis
de uma memória que é um sulco de
passos por dentro da raiz
acho que estás nos pequenos vultos das gaivotas
a fender o horizonte

acho que nunca terei mãos
que cheguem para te tocar ou para tocar seja o que for
acho que é porque não tenho mãos para agarrar
da maneira como agarram os gregos, que é «arpazo»,
arrebatar dentro do que se agarra, escolher arrebatando
sangrar no que se agarra.

olho para trás e sei agora e saberei
quando nos separar o mar dos anos
que fui branda como a medida vermelha
do sangue e agora sou como a cinza
é de dentro que me extingo
é com uma enxada de dentro que me cavo
sulco da raiz mais anoitecida
caminhar da água
da palavra para chegar ao punhal

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