sábado, janeiro 17, 2009

É um péssimo sinal quando o discurso que se afirma numa base intelectual, e que deseja a compreensão do mundo em que vivemos, começa a sofrer constantemente de vícios no modo como detém ou estabelece pautas de sensibilidade, face a situações que a todos acabam por envergonhar, e assim (o discurso) se resume a um atropelamento de ideias, atacadas por uma sentimentalidade mais ou menos frouxa, frívola, como se às tantas o debate vivesse não da tentativa ou necessidade de enfrentar a realidade, mas da necessidade de cada um dos intervenientes se provarem, entre si, afectados. Como se este para salvar a sua alma (ou a sua consciência de si) quisesse provar ao vizinho que é mais sensível quanto a esta ou aquela questão, que sofre mais que o outro por todos aqueles que realmente sofrem. Acontece que o sofrimento não é uma hipótese virtual, não está no espaço da intelectualidade inventar sentimentos, esta apenas produz uma comoção estéril, uma artificialidade dolorosa para nos sentirmos um pouco melhor com nós próprios. Porque, afinal, também fazemos parte disto tudo, uma pequena parte igual a tantas outras.
Ora, a quem se apanha no meio de um conflito e é marcado pelo horror, não lhe traz grande conforto saber que alguém do outro lado do mundo vai ver o seu corpo estendido, ensanguentado nas notícias e terá dificuldade em acabar a sua refeição. Na hora em que o sofrimento fura a carne da vítima a realidade não tem desculpas, a humanidade não vale nada, o mundo podia acabar. E intelectualmente, digam o que disserem, o mundo podia mesmo acabar, talvez devesse.

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