Para os colaboradores da «criatura»
com votos de um bom ano de 2009
É difícil aguentarmo-nos direitos
entre as pernas de uma tontura assim,
neste impasse. Estar a pé a uma hora
destas e esfregar os olhos, descascar uma laranja
enquanto sinto que há muito nos vêm repetindo
estas noites, um pouco negligentes
se repararmos
no modo como nos pegam e
nos dão tarefas, como dobrar a roupa, deixá-la
sobre as costas da cadeira, ouvir canções noutras línguas
e vir compor uns poemetos, desenhando-lhes
mais dentes ou afiando os que já tinham para que
tenham um ar mais perigoso e mesmo para que mordam
se alguém lhes tocar.
De uma ponta à outra, aqui nos temos,
entre os dois lados deste tédio, tu a perguntares-te
onde te estou a levar, e eu
a tentar perceber se terias alguma sugestão,
caso pudesses interromper-me.
Deixo-me pensar, tranquila-
mente, sombreando
uma combinação de insónia e televendas, com os músculos
tensos, mergulhados num lume frio,
salteando imagens
que se vêem umas às outras e, excitadas, se encantam,
discutem propostas sexuais,
fornicam entre elas e desiludem-se também.
Faltam-nos algumas páginas e sobretudo um programa,
ainda a caneta nos treme e estas descrições em espiral
têm sido pouco convincentes. Rumam
de cá para lá, passando da estante
aos vinte e quatro horas e às áreas de serviço
onde abastecemos os sentidos e as esperanças
que vão da literatura à carne.
Quanto disto trocávamos, sem pestanejar,
pela doçura do sono – nem uma luz acesa no corredor,
mas, simples e súbito, um sono nas veias, nos ossos,
frio e tão pesado, a consciência com a seringa
enfiada na testa, a descarregar
uma violência onírica sobre si,
a esquecer-nos e à vida, até depois, para muito mais tarde.
Os sonhos já foram o mais importante. Hoje
estão desfiados, já não pegam bem
com o que andamos a fazer.
A realidade tem-lhes caído em cima,
levanta-lhes a mão, ralha, e
não os deixa comer a sobremesa
sem acabarem primeiro o prato da sopa.
Hoje,
todos temos borboletas escondidas, tatuadas
nas zonas erógenas do corpo, e entre dentes
repetimos uma oração semi-silenciosa, desejos
envergonhados e planos
que linha a linha nos vemos a riscar,
a escrever por cima. Os legumes engolimo-los
cada vez mais depressa
e é o pudim que nos sabe cada vez a menos.
Fica um sabor estranho na língua, uma impressão
para a qual peço que sejas tu a escolher os adjectivos.
Já não são poucas as teclas de marcação rápida
que programámos, com linhas de crédito
ou de apoio à decepção.
Acho que uma boa ideia era juntarmos um grupo,
pedirmos todos quinze mil euros à mediátis
e à cófidis, irmos para o Brasil em férias
e no fim suicidarmo-nos por lá.
Uma verdadeira morte a crédito, com caipirinhas
e barbitúricos a rodar por todos.
A nossa geração é a das legiões maravilhadas, entretidas
com vidinhas loiras revezando-se na vh1, no sofá da Oprah,
no biography channel. Estas celebridades, estas
putinhas descartáveis que não deixamos de admirar,
são os ícones pagãos
do nosso tempo. E o Perez Hilton
(que curiosamente já havia feito uma aparição
na Elegia Cor de Rosa do David) parece-me
o melhor candidato ao prémio para o Anti-Cristo
desta primeira década. Não é para rir, nem é só
uma analogia gratuita. Pensa nisso.
Estamos no século XXI, sabemos um pouco de História
e sabemos que não se pode ser inocente
por muito tempo.
O terrorismo é, aliás, a forma de expressão mais em voga
nos dias que correm. Não é difícil perceber
porquê. A poesia não interessa,
está como morta, quanto à filosofia nem se fala.
O que resta das duas são já técnicas e questões
de advertising. Não estamos aqui
a fazer nada – somos daqueles que ficam para o fim,
a ver os créditos até acenderem as luzes e nos mandarem embora.
Somos os teimosos, os que vestem a vergonha
como um casaco de peles. De nós, como já dizia
o outro, enquanto autores só o silêncio ou a morte
serão citáveis e mesmo aí, só por imbecis,
às voltas com pinças a recolher ossinhos, pintelhos
e a fazer montinhos com as nossas cinzas.
Tudo isto é triste, e se ainda temos leitores
é só mais um sinal
de que há mesmo gente para tudo.
Estou a ficar sem nada e, agora, também tenho medo
de te perguntar o que estás a pensar.
Mas nem tudo são más notícias.
Olha, no outro dia houve
um puto que me deu umas coisas
para ler – folhas soltas, umas ideias nem sempre
claras, mas quase sempre tratando
com personagens e situações plausíveis;
as letras enormes, meio indispostas às vezes,
com mais pressa aqui e ali,
como se as seduzisse a pureza de cada ideia,
os pensamentos, acotovelando-se, pequenas multidões
em volta de acidentes. Inquietou-me bastante, devo dizer,
talvez por nunca ter escrito nada parecido.
Assim como uma descoberta (sem querer,
ou – pelo menos – sem que a pudesse prever), entendes?,
bem longe de outros ambientes mais luminosos,
bailes de travestis ou praças líricas dessas em que
aqueles-que-a-gente-sabe largam as tardes,
a trocar cromos ou comparando cartas de amor.
Deixou-me aquilo com datas para dias
que ainda estão para vir, e indicações muito precisas,
números e lotes de ruas, travessas, lojas,
esplanadas, cafés também. Depois
vinha assinado: Três-Dois-Um. Que nome hã,
que belo efeito para um poeta! Levou-me à inveja
e a perguntar: porque não me lembrei eu de tudo aquilo?
Como estou sem mais ideias, vou ver
se me volto a cruzar com ele, se aproveito
e me encosto
a ver se o brilho é tipo gripe,
uma coisa que também se apanha.
Depois logo vos digo alguma coisa.
3 comentários:
bom 2009 para ti também, poeteditor diogo.
Era roubar novamente o fogo dos deuses ou arrancar o silêncio da
garganta e imitar aquelas pessoas
"que só gostam de ver o mundo a arder."
"What doesn´t kill you makes you stranger."
Bom 2009
Bom ano, Diogo.
Abraço
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