domingo, janeiro 18, 2009

fim

uma das minhas mãos escava-te o peito no cinzento
uma das tuas palavras chegou a fazer de ti meu irmão - foi a primeira vez que me traíste
continuo a ser uma ave de rapina no deserto
o mocho
das solidões
não há verdadeiramente companhia para (me) escavar as entranhas mas isso já eu sabia
ele entra no quarto e recorda cada recanto da mobília a cama estava ali e agora já lá não está esta mesa de cabeceira e a cortina e todas estas
merdas
estes quartos de onde entro e saio à procura da minha morte no espelho
à procura de uma outra vida eu não queria este passado que há-de fornicar o meu futuro amarelecido contra uma qualquer esquina
esquina sem nome nem rosto
sem nome nem rosto o peito escavado contra um bacamarte seis horas mais tarde
já te disse como morro tantas vezes tantas vezes
as minhas mortes silenciosas puxo-as debaixo das unhas como se puxa um insecto uma vaga caneta do bolso de uma camisa para escrever o meu nome na parede aqui estive eu

eu a ave de rapina no deserto o mocho de todas
as
solidões
quantas vezes a minha mão te escavou o peito no cinzento à procura da seiva - não da seiva do sangue como o dizem os gregos e apenas os gregos - το αιμα
o sangue que fez de ti meu irmão já lá não está

tenho areia movediça nos ouvidos eu quereria outra vida atravessar para o outro lado do espelho sem ter de chegar a comparecer à minha morte
na minha morte a mão cinzenta uma fotografia a preto e branco guia de marcha para a memória a memória vermelha
para a qual não existe conclusão exceptuando subtrair dela o vermelho e deixá-lo alastrar sobre o papel
então este homem e esta mulher de papel estarão vivos
vão comer beber foder fazer filhos tudo no espaço de uma rápida meia hora nem sequer chegarão a sentir apego à vida nem sequer estarão vivos e acesos sobre o chão para embalar as balas que os farão tombar de joelhos em três segundos contra o nada
o desejo é uma vertiginosa corrida para o nada
daquelas onde se esfolam as mãos e os joelhos e a solidão é uma carne excessivamente flexível tacteando a escuridão
continuará a ser o nada os quartos de onde entro
e saio o fim e caminho pelo nevoeiro a chuva parada o fim nas esquinas
à procura de uma conclusão a
possível

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