segunda-feira, dezembro 22, 2008

Uns trocos para confissões e lazer

Como um último abraço que não demos,
este vem encardido pelo adeus a essas noites
quando vínhamos por aí descosendo no fim
de um filme, e do jeito como nos entendíamos,
como nos achávamos cultos e
ao mesmo tempo, na mesma frase, tão parvos.
E eram sempre os detalhes mais simples,
as pequenas coisas a desandarem-nos, mas ainda
nessa linha deitávamo-nos a rir de verdade,
sentindo como cada gesto, sobretudo
os mais espontâneos, eram um luxo,
uma pontuação que nos punha contra o sentido
de todas as horas que nos queriam mais sérios.

Uns trocos para aguentar confissões e um pedaço
de lazer, isso nunca nos faltou, nem algum lugar
tranquilo onde a lua nos desenhasse artisticamente.
Lentas e alongadas formas no pavimento,
como recordações pouco insistentes, os dois,
dois anjos a dizerem parvoíces um ao outro,
desejando mulheres sem passado
nem grandes conversas e às vezes até a vida
dos outros. Fedíamos de incertezas, perdidos
nos jogos sem sentido por onde metíamos
todos os planos, o nosso futuro, e era disso só
que se estragavam as noites, meio ensonadas,
mas recusando-se a irem à cama e a ficarem-se
pela justa medida de álcool e charros.

Quisemo-nos contadores de estórias, realizadores
destas produções de baixíssimo orçamento, porque
o importante era não perdermos tempo aguardando um ok
de mais ninguém. Passado uns tempos tu abalaste enfim
atrás de uma actriz de olhos verdes a que chamavas
Beauté, prometendo que um dia lhe farias um filho,
e eu comecei a falar sozinho, a passear em círculos
cada vez mais justos à minha própria cintura
e a servir-me de calmante ao silêncio. Hoje só guardo
para mim uma tristeza que criei de pequena. Eduquei-a
e mostrei-lhe o esconderijo das minhas obsessões.
Ela beijou-me as mãos deformadas pela ansiedade
e foi-se-me tornando mais fácil escrever noite dentro.
Dentro de mim estou quase calmo, quase mudo,
sinto só às vezes um baque à distância, mas sei
o que é – só pode ser uma coisa – e já nem me viro,
nem me assusto. Olho para o relógio e marco outro dia
e uma outra hora.

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