exultação, fervor,
se doesse nas práticas da graça,
uma língua analfabeta, plena,
fazia-se um inferno para obrigá-los a falar nessa língua?
Mudas de tom, aceleras o ritmo
e perguntas ao leitor que por aqui passar que horas são,
de que dia, para onde vai e se te dá boleia, agora
que algumas suspeitas vieram tirar-te o apetite
depois do sono, e o que ainda te ficou
são vícios desses que nos tomam pelo pulso
e nos levam por arrasto num passeio
pelo parque com uma gasosa numa mão,
o guarda-chuva na outra, o Tejo ao fundo e
o vulgar chilreio e a aeróbica de aves
que vais chamar pardais
porque te falta o vocabulário das espécies
e não queres saber da poesia que faz de catálogo
para a natureza.
Que bem te comportas!, sentado aí a ler,
será possível que nenhum crime te passe pela cabeça, nada?
Que canteiro tão triste o teu!, dobras uma página e deitas um olhar
sem ânimo a uma flor que nasce no cinzeiro.
Lês sob a luz de mil sóis podres,
com uma sombra a rebentar-te por dentro
e a mão doendo-te, salivando
por entre cometas despenhados e luas enraivecidas.
Começas a entender algumas frases, muitas soltam-se
como balões de hélio a elevarem-se no teu sangue.
Enfim já o sentes e também o queres escrever,
mesmo que seja apenas pela pura imitação da língua louca,
do génio estuporado. Também tu queres
telefonar-lhe e emudecer, bater-lhe à porta com um machado,
gritar – saí cá para fora cabrão! –, ou tocar-lhe no queixo
com uma admiração terrível,
como por medo se aperta um babete imenso
ao pescoço de uma criança voraz, uma besta
de fúrias infantis que se alimenta de um abismo
onde a moeda que atiraste se fez em pó
antes de chegar ao fim.
Mas tudo o que escreves é um animal dócil,
um macaco de zoo a descascar bananas. Já quase nem grita
e se visse uma abertura não fugia,
se te apanhasse não te espancava, não te mordia
e não te arranhava pelo simples gozo de magoar.
Que desinteresse!, sem fogo nenhum,
só arame farpado na goela, dentes amarelos
rangendo e o teu nome súbito com um susto,
um arremesso contra a morte,
um escuro medonho, riscado de palavrões inábeis,
merda-foda-se-caralho,
a tarde toda nisto, o comando na mão – zap-zap-zapping –
e em todos os canais da televisão só dá um show
com um cão arraçado de tudo, entretido com os teus ossos.
Voltas à rua, metes-te num táxi,
tentas resolver as coisas com um perfume novo,
um corte de cabelo diferente, talvez
até um pouco de charme e um toque
de “mio amore” ou um poema curto do Jorge Sousa Braga
na ponta da língua. Como se
a beleza fosse assim tão fácil: despisse o roupão, te beijasse a boca
e deixasse marcas de batôn no colarinho, na pele e na carne
antes de voltares para casa e para a mulher
que diz ser tua. A mais solitária das putas, estirada
sobre uma king size, deixa de lado a Nova Gente,
pergunta onde foste
e porque estás todo marcado? – caí
de umas escadas abaixo, não é grave –, esperando depois
que lhe desligues a luz e decidas se queres
infectá-la com o esperma cansado
que conseguiste ir juntando desde a última vez.
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