sábado, outubro 11, 2008

Má educação

Era um sonho baixo, de ombros tristes,
um rastilho, um voo que voltava a si.

Joaquim Manuel Magalhães



A chávena de café ao lado da torradeira eléctrica,
o pão já com uns dias de idade começa a fumegar,
viro o corpo reclinado sobre a almofada de design
ortopédico e os dedos espargem a cinza tranquila
de um primeiro cigarro
enquanto o olhar faz o seu trabalho
e dista as escassas variáveis que se afilam
na linha de luz que a manhã larga.

No fim do corredor uma criança faz-me sinais,
triste porque não entende os trabalhos de casa que lhe deram,
grita à minha ausência. Visto o impermeável, aclaro a voz
desfeita na garganta, solto uns gaguejos
e saio. Levo-me por aí arrastando o teclado no chão,
nas ruas, no andamento acidental do que se serve
ao erro de outro dia. A mecânica lerda de um corpo
deslocando o peso entre lúbricas observações
ou sombras de passagem num monólogo interior.

Estendo uma moeda a um deus viciado, mais um
vagabundo a abrigar-se nestes versos, que nem agradece
mas segue tocando o seu instrumento de lata,
conseguindo desanimar a pressa de quem vai e vem
sem melhor sentido para dar à vida.

E jogamos um jogo de condenados, cheirando em silêncio
a flor venenosa que anda de mão em mão.
Se tu não disseres nada, acredita que eu também não digo,
mas mais logo, regressados a casa, iremos os dois à janela
espreitar a indiferença trágica do que seria o nosso suicídio.

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