sexta-feira, outubro 10, 2008

Geist und Seele wird verwirret (BWV 35)

Não sei se é cansaço. Talvez,
da espécie de derrocada
que é este amor austero, inflamável e nulo
a que as tripas se encostam
como a um destino carbonizado.
Cantata desiludida para piça mole e rancor.

A impostura responde por nomes simples,
uma suave cor de agonia
que bebemos com vodka e limão
numa varanda sobre o vazio.
Mas já entretanto se ateia a manhã
nos telhados inúteis e gastos
desta cidade impossível. Quase bela,
entre ruínas, destroços, perdidas imagens.

Alguém chamou Ficha Tripla
a uma gata que se passeia indolente
ao sabor de beatas e de restos de pesadelo.
Descemos para o Cais do Sodré
à hora burguesa do almoço,
lembrados ainda do álcool da véspera.

Evitaremos as tabernas,
como tantas vezes se evita viver.
– É sábado à tarde,
a explodir-nos secretamente nas mãos.
Um caboverdiano distraído tropeça
no cheiro morno do bacalhau, pouco depois
de um pingo de lixívia te vir cair
no cabelo. Dizem que hoje não vai
– nem sequer isso – chover.

No táxi encontramos uns sapatos
de mulher, tamanho trinta
e oito, com uma fivela dourada.

- Manuel de Freitas

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