Someone’s always coming around here
trailing some new kill…
Pouso a cabeça na aragem que me lança
a ventoinha eléctrica, oiço a voz da motoreta
às voltas naquele largo, por vezes sinto um tiro
na cara e solto umas notas de desamparo
que deixo por aqui, como as afixo de noite
com um íman na porta do frigorífico.
Chame-se-lhes o que der, podem não ser
versos, talvez sejam listas de compras
que nenhum supermercado me vende.
Aproveito e deixo-te um recado: não sou eu
que sou triste, nem tanto, mas antes a mão
que me escreve. Este músculo tenso,
soterrado num pensamento que manca
por aí, confraternizando com sombras
que não distinguem já
um soneto heróico de umas palavras
cruzadas no verso de um jornal.
Querias lições de vida?, muda de canal,
aproveita os saldos, carpe diem, etc. e tal.
Eu vou acabar esta água das pedras, depois
peço uma sopa para descolar o estômago
das costas e um café para me renovar
os olhos e corrigir isto.
Devolvo-me à minha respiração assistida,
aponto os soluços de um silêncio
que se deixa inseminar
pelo pólen de uma beleza fria. São outros olhares
que eu estudo, as suas inconsequentes miragens
e o lastro inflamável dos dias por acabar.
Há nisto tudo, eu sei, uma violência inebriante,
nos corpos alucinados onde se ferem as horas,
nos anjos com defeito ou nas mulheres
que preferem a noite e nela se oferecem
sempre a um mesmo gajo, sempre com uma estória
diferente. Um homem fugindo da sua pele,
doente esquizofrénico com uma arma de fogo
escondida no bolso de trás.
Sei também que quase nada te surpreende
e que provavelmente só ainda me lês
para saberes quando é que me calo.
Já entendeste tudo e só esperas a tua vez.
Interrompe lá!, explica-me o mundo de novo
– é nisso que és bom. Eu porém
nunca interrompi um homem
que se alegrasse um pouco
falando apenas da sua tristeza.
Sem comentários:
Enviar um comentário