A manhã conserva ainda pequenos rastos, recorda
figuras de névoa, tem âncoras que a afundam
num jardim de meia noite, na desabrida toada musical
e no frisson das palavras como escravos soltos, que ressoam agora
desencontradas num ritmo cada vez mais incerto.
À entrada está um vaso enegrecido onde
respiram de forma pressurosa as cabeças
de uma planta carnívora. Talvez possa cheirar
os vultos omissos que se deixaram sucumbir
por brandos e ternos venenos, diante de um olhar
cheio de envolvimento. A perversa cumplicidade
dos pulsos assinalados pela necessidade de evasão,
algemados, carregando a carne desejosa de uma noiva-viúva
até ao quarto, ao silêncio furado pelo frémito
orgástico e sem testemunhas. A experiência de um crime,
de um gesto de fúria contra a imobilidade dos retratos.
Um acto de pura violência levado até às últimas
consequências, mas sem um cadáver no dia seguinte
- esta manhã. Apenas um par de lábios suturados,
uma cicatriz que não os deixará esquecer.
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