Que tristeza nos saberia conduzir tão distraídos
para lá da fronteira, confessando a enormidade
deste fosso íntimo para onde nos cansamos de atirar
moedas e desejos, sem receber nenhum eco de volta?
Tempo para a troca de opiniões sem fundamento,
esse sentir que se repete até já não ser preciso escutar mais,
vai bastando um assentimento geral e uma superfície imaculada
até que o outro se canse do som da sua voz.
Estava-nos destinado um repouso decente num albergue
colado a um cemitério - nenhum intervalo
para o regular cultivo da morte. A mim pareceu-me bem.
Que outra ilustração poderia elucidar-nos melhor
do que aquele sóbrio quintal, ornado
por esclarecedoras advertências e a poda cuidadosa
dos arbustos em volta, corrigindo as vagas expectativas
de peregrinos e outros visitantes menos ansiosos,
na busca de um pouco mais que nada, seguindo
pela Via da Prata o rastro de Santiago.
Poucos lugares saberiam acolher com tão pura
negligência esta solidão. Estávamos pela primeira vez ali,
na cidade das Burgas, mas não foi pelas propriedades
das águas, mantivemos as doenças de pele e
além do mau gosto da arquitectura não houve muito mais
que tenhamos retido. Encontrei um café-restaurante-bar-e-
-mais-o-que-tiver-que-ser e fiquei entre poesia e trocos,
a música que calha e os ângulos de apoio que vão segurando
o queixo da noite. O meu fraco espanhol chegou bem
para um curto e seco «gracias», mais pela falta de atenção
que pelo combinado que me serviram frio.
Além da hora pouco mais variou. Fomos tributados
pelos mesmos males de sempre, outras marcas,
o mesmo sabor. Num número largo, reclusos de uma alegria
virada para dentro, todos a sorrir de castigo, alinhando
pela ditadura do contentamento. Secos e molhados, distribuídos
pela ordem comum dessas coisas sem regresso, e talvez nada
pudesse ter corrido melhor. Pus o rosto vicioso
que tenho para o hábito, deambulámos
na ténue margem entre a espuma e as cinzas
e deixámos as cañas e a Estrella Galicia patrocinarem
o mijo, as dioptrias, o desequilíbrio e algum pedido
mais explícito de calor ou (pelo menos) fricção.
Quase assinei o libro del peregrino mas nenhum
destes meus versos seria justo. A verdade é que dançámos
e apeteceu-me ter mostrado outra convicção, deixei um ou dois corpos
irem-se tão facilmente como vieram e fiquei-me pelo trivial circuito
de pecados absolvidos, o típico comprazimento, um abraço
e esse brinde necessariamente mudo: que a morte
nos salve e guarde.
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