segunda-feira, março 03, 2008

"Othello"
Cena do Mar

Abriram-se as portas num dos equiláteros do Cubo. É de Teatro que se trata, mas apetece dizer: - Câmara...! Claquete...! Acção...! Aliás, David Silva já nos avisou que é um encenador de estéticas intensamente cinematográficas. As suas peças colocam-nos no paradigma da realidade acrescentada à vida pelo cinema. Levando-nos a imaginar que os seus palcos, onde coabitam actores e público, mais assumem a proposta de um novo formato de cinema tridimensional, em que o espectador, indigitado a ficar-se pelo silêncio da voz, é no entanto impulsionado a interagir com as personagens através de emoções intensamente partilhadas. Tal é a proximidade dos olhares e da direcção das palavras, que nos vão desafiando ao longo do decorrer dos Actos.

Abriram-se as portas do Cubo e mergulhamos num negro nuclear, quebrado por três rostos masculinos iluminados numa profundidade estelar, cósmica, pronunciando repetidamente em uníssono o nome de uma mulher: - Desdémona...! Desdémona...! Desdémona...! Ali, como se num julgamento das trevas, ela vai-lhes dizendo: Eu não fiz nada...! Eu não fiz nada...! Bateu a porta e calou-se. O tribunal de superficialidade nos sentidos acertou-lhe em cheio com o carimbo de: Puta...! Mas em profunda verdade, ela não fez mesmo nada.

"Othello", começa então a esboçar-se pela voz e pela mente perversa de Iago, que mina tudo o que avista até á ruína, através da ingestão e da regurgitação de um veneno mortífero oriundo do ciúme. O Ambiente do Reino de Veneza em fusão entre o medieval e a renascença, delineia uma plasticidade rara, arriscada e bela em toda a Peça. É assim nas próximas duas horas e quinze minutos, em que os actores se iluminam a si mesmos com candeeiros a petróleo perto do rosto. Daqui em diante, é seguirmo-los como serenos discípulos, para uma nova dimensão da verdade e da razão. Onde só as suas sensibilidades conseguem chegar fundo no reencarnar de almas e de tempos que não são os seus, mas mostram que podem ser ainda os nossos. Em todo este compêndio de apelos e chamamentos, em que são simultâneamente actores, iluminoplastas, músicos e sonoplastas, a desdobram-se em três e quatro personagens para cada um dentro de cena, eles são nesta constante metamorfose a nossa mais rica e envolvente preciosidade.

Elenco: Ana Martins; David Cabecinha; Diogo Pinto; Joana Mendão; Sara Maldonado: Susana Quaresma; Vesna Mihelj; Welket Bungué.

Para ver em Lisboa, no Cubo da Faculdade de Arquitectura ao Alto da Ajuda, de Quarta a Sexta às 21.30h até 7 de Março. Informações e Reservas: 96 488 09 23.

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Germano Vaz. SPA - Sociedade Portuguesa de Autores. Todos os Direitos Reservados.

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