para o Jorge Gomes Miranda
Deixa estar, Jorge, é demasiado
tarde: já não nos livramos da
imerecida glória de sermos
grupo, constelação, movimento
- "nós" que, a bem dizer,
nunca acreditámos em nada disso.
Sempre de vozes tontas e ruído
alarve precisou o mundo. Mas agora
imitam os políticos, delegam poder
naquilo que nenhum poder aufere -
a poesia - esses que em jornais
e outras cátedras matariam pai e mãe
para chegar a palcos grosseiros
em que nem actores conseguem ser.
E até dizem que prestamos vassalagem
a quem simplesmente nos ensinou
por onde não devíamos seguir
- à distância dos livros, na pulsão
do irrespirável e, anos depois, do afecto.
Há várias maneiras de preferir um descampado.
Porque a poesia, Jorge, só interessa
- se é que interessa - quando nos visita
"com a urgência de quem verte
cubos de gelo num copo de whisky".
Tão parecida com "o vírus do amor"
que faz do corpo o único lugar.
Mas para quê falar-te disto?
Disseste-o melhor, assim:
"nada é a poesia
prelúdio de outras ruínas
nunca afirmadas".
Não te inquietes, pois, com arrumadores
de versos. A morte corrigirá todas
as vírgulas, mesmo as que lá não estavam.
- Manuel de Freitas
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