Sometimes you get up and bake a cake or something
sometimes you stay in bed
sometimes you go la di da di da di da da
til your eyes roll back into your head
Hoje, sim, outra vez,
viemos há procura de um frio por fora,
caçar sombras a estranhos, imitar o desengonço
de uma porta que bate e bate, mas não fecha.
Pousar o corpo ali, no bengaleiro, cair
frente a outros espelhos. Às vezes sem que digas nada
um olhar que não voltará a pesar no teu
faz sentido - procura-se um conforto,
sabendo que ninguém nos fará esquecer
que estamos sós.
É nisto e num copo baço que nunca brilhou
que se reflecte a tua melhor expressão,
a ébria flexão do desânimo que pões a sorrir
por cima da impaciente derrota da alma.
No espaço sem retorno em que se dissolve
esta imagem de ti, consegues
estragar alguns gestos ou a distância entre nadas, deixar um abraço
a quem se remove do quadro com um resto de dignidade.
Aninham-se no cinzeiro as noções todas
a que nos obriga a mútua desilusão, esta companhia
que nunca nos compensou em nada.
Rimbaud poderá, talvez, ter desistido disto
numa noite como esta.
Penso em ti outra vez. E, sem falar no teu nome,
digo que me dói aqui, sim, mas
não, não é nada.
Quem escreve elegias fantásticas
é o paciente aracne - aquele fiar lento
de teias por dentro, à espera de prender outros insectos,
sensível à mais pequena vibração, seja o que for,
qualquer coisa serve. Bem, mas mudemos
de assunto. Gostei daquela do agricultor fatalista,
tu dizes que não percebeste e eu acho graça, acho que
já não estás em idade de não perceber as coisas.
Ou te interessa ou não, mas aquela voz
imita muito bem o agror de tudo isto que temos
tentado dizer ou não dizer um ao outro.
Lembra-te que na melhor das hipóteses
somos trapezistas e não trovadores - pareceu-me
que até esse momento estávamos os dois a gostar bastante,
talvez por motivos diferentes, mas ainda assim...
Sabes que isto não passa de um passatempo,
pegamos na folha e desenhamos à vista os corpos
que vemos, parece-nos que apanhamos mais que isso
mas estes versos não passam de esquissos,
possivelmente alguns talvez tenham valor
enquanto estudos anatómicos, mas não seremos
nunca chamados de artistas. Se a arte imita a vida
pode ser que o que nos falta seja o objecto para a obra.
De sobra temos é o esforço da técnica.
Ensaiamos desvios, a ilusão, inserimos notas
autobiográficas neste pastiche da monumental obra
do Silêncio. Nem sempre somos medíocres, o que
já não é mau. Podemos ir descansados já que,
mesmo que as vendas de livros o contradigam,
não há nenhum segredo a ser revelado, as coisas
nunca seriam mais fáceis que isto e quem se esquece disso
não demorará muito a ser relembrado. A morte, é claro,
não se esquecerá de nenhum de nós. Aliás
o que me parece é que por aqui se morre
com alguma pressa.
Na recordação dos que se despedem
tão mal, desenvolvemos o nosso jeito
para a arte funerária, alguns até se convertem
em poetas do dia para a noite, tomando parte
neste crime organizado. Depois torna-se necessário
refrear-lhes a apoteose lírica, a criatividade
que vai transformando cemitérios inteiros
em divagações literárias.
É típico encontrar no cortejo alguém que se preste
a vender catálogos sobre a dor, os significados e as margens
por onde se define e até a quantidade
e o ângulo em que devem verter as lágrimas.
Mas voltando atrás, o que importa afinal
é marcar presença, estarmos cá nas articulações,
na cartilagem da noite, increvendo-nos
neste rosto de papel sujo, escrevinhando
o sumário das nossas sensações ao regressarmos
a casa desgrenhados, com a fisionomia de um atropelamento,
atropelados pela decepção, pelo vazio, e mesmo assim de pé
para assistirmos a uma nova aurora fútil e cansada
que de alguma forma justificará como nos tornámos
nisto que por hoje ainda somos (e até com algum orgulho)
- jovens, viciados em processos de decomposição.
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