sábado, fevereiro 09, 2008

Within the margin of error

Tínhamos alguns motivos contados para nos deixarmos
estar sentados, parados, entre trocos, cinzeiros
e copos, pagando os sorrisos que sobrevêm a esta espécie
de desespero discreto que é tudo o que temos por personalidade,
além dos traços mais comuns que ganhamos com a pontualidade fiel
da velhice, as rugas e todo este desfile de dores
que se habituam a nós e quase desculpam a nossa inércia.

Estamos por aí nós e as mulheres da limpeza, nos lugares
onde os outros simplesmente passam. Vamos ficando
rente a este chão muito sujo de excessos, vidro, vómito,
cinzas, recortes de dispersas intimidades, gramáticas impuras,
bocadinhos de corações amarelecidos, putrefactos,
mijo e claro o ziguezagueante esperma que mancha
tudo como sombra das nossas cansadas e melancólicas mãos.

Depois o que se faz por aqui é pintar pastos, casinhas com chaminés
e o doce fumo dos bolinhos caseiros misturando-se com as nuvens.
Bezerrinhos e flores e o caralho - a monotonia, em tons pastéis,
das nossas idílicas composições - imagens por onde fugir à vida.
Houve um tempo em que o sonho de cada animal urbano
era ter a sua casa no campo, depois de perderem anos para as construir
arrastavam-se até lá nos fins-de-semana e punham-se a coser os pulsos
e a assobiar para a morte como quem se descontrai.
Segunda-feira estavam de regresso e lá estava a morte com o seu sorriso,
a assobiar para eles.

Por aqui não se assobia e quem canta já bebeu demais,
o dinheiro não tem projectos nem se põem a sonhar
com paraísos terrenos, paraísos químicos é o máximo
a que se atreve, de resto faz o percurso directo
do bolso para a registadora, e sabe que a felicidade
é conversa de gente pouca séria, esses que fazem da vida
um fabuloso curso por fascículos pago à morte
em suaves prestações.

Já nos retirámos de todas as listas de espera, só resta uma.
Partilhamos encostos, algumas piadas, pielas, e pires de tremoços,
respeitamos as regras da casa, escrevemos sem ilusões,
sem nem termos a ilusão imortal com que sonham as puetas publicadas.
Vivemos do tráfico de obras incompletas - autores do melhor lixo
que vai com os dias. Nem dos nomes temos necessidade
entre estas paredes a fingir de branco (ou amarelo, ou qualquer coisa
que não o negro) onde está um sinal que diz: afixação proibida.

Expostos à loucura, ao fim de vários relógios ainda aqui estamos
nesta forma de delinquência legal, respirando misericordiosos venenos
e aprendendo a gostar da morte depois da vida, com as letras
inquinando na pele, rasgando as veias e contaminando o sangue
depois de pularem as margens do papel e perderem o som
contra o sabor da eternidade: este doloroso silêncio.

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