sábado, março 01, 2008

Na falta de melhores palavras

Ali desconversava-se de novo, eu e mais alguém -
que foi perdendo traços distintivos e chega a este poema
sem nem ter um nome - preferíamos respirar
contra as janelas. Um amigo de dias menos curtos
havia regressado de longe, para partir de novo
daí por mais uns dias - entre abraços, beijos
e outros habituais exageros alguém quis
tornar mais significante o momento
fazendo um discurso. Não se disse nada
(nada de novo leia-se), esforçaram-se uns sorrisos
mais nervosos que outra coisa e houve mesmo
alguém que soube chorar um bocadinho.

Em minha defesa não tenho nada a acrescentar,
assumo que sempre fiz pouco para compreender os outros,
no fundo talvez preferisse esperar a ausência
para sentir estas tristezas, de qualquer forma
a verdade é que também sempre me pareceu
que há palavras melhores que amor
para descrever este vazio íntimo
que ladeamos de cercas
para que ninguém caia lá em baixo.
Uns tornam-se peritos em despedidas,
outros nunca deixam de ser exemplares
neste entristecimento dos amadores, mas pouco afinal
nos distingue. Forjamos subtítulos para o medo que nos sacode,
as lágrimas habituam-se a cair nos sítios e momentos certos
e até os mortos são justificados e encontram paraísos
para consolo dos seus entes queridos - que muitas vezes
o mais próximo que se chegam do abismo
assinala-se através de preocupações
com os níveis de colesterol e outros regimes
a que a saúde os vai obrigando.

Houve tempo para tudo. Tiraram-se demasiadas fotos de grupo,
talvez o meu rosto figure parcialmente em uma ou outra
a que não tive como fugir, no entanto ninguém
poderá realmente lembrar-se se lá estive ou não.
Apesar de tudo ainda foi possível recolher algumas notas
para escrever isto. Observei os recém-casados
partilhando a cáustica ironia
de finais felizes e outras antecipações falhadas.
Corroboravam algumas impressões de versos antigos
em que, por outras palavras, fui reparando
como por vezes acabamos por sentir falta
de nós próprios, privados dos rituais solitários
que nunca valorizámos segundo a importância que tinham
até finalmente se tornarem sinais de outros tempos. Isso
e a muda treva por onde desaparecem as horas,
ou como se resignam os horizontes para acomodar
exigências extrínsecas ao ritmo pobre
destes corações recicláveis, aspergidos e reanimados
com a ajuda de pequenos estímulos eléctricos. As intermináveis
avenidas que antevi, tornavam-se reais e nelas abriam-se túmulos
onde os corpos se vinham render depois de sofrerem os maus tratos
da pedagogia cívica. Entre processos mecânicos
respiravam-se sentimentos de consternação, ouvia-se
ao longe qualquer coisa como um apito intermitente, a lenta locomoção
destes trágicos consortes, romeus desencantados e julietas deprimidas
com tendências suicidárias inexplicáveis à luz de conceitos românticos.

Lá fomos encostando ao balcão do silêncio
copos partidos, reflexos desinteressados e uma gama infindável
de filtros para tudo e todos. Havia nas mãos de muitos daqueles
que eu não via há tanto tempo, bilhetes para impossíveis comboios
que teriam partido na véspera e que fugiram
para fora dos desenhos tortos
destas vidas, traçando carris imaginários
na irregularidade absolvente dos litorais,
paisagens que é melhor esquecer - a imagem dos barcos
reduzidos na infinita curva do mar.

Pouco depois estavam gastas as saudades
já não havia grandes novidades para contar,
estávamos todos mais velhos e, afastando
as aparências, todos na mesma ou mais tristes.
Antes do fim a última coisa que me lembro de ouvir
foi o comentário que mais me marcou -
isto está-se a acabar e o pior
é que amanhã já é domingo, outra vez
...

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