terça-feira, fevereiro 19, 2008

lonely hunters

we never played it fair
so don't you come now
asking why

Tu talvez soubesses contar esta história
muito melhor do que eu, mas vais preferindo
outras maneiras, menos óbvias,
de esquecer. Entretanto sou eu que me agarro
aos infinitos despedaçados das nossas promessas,
ao som e à fúria com que as nossas imagens
se desagregam, à vida por hábito e às residências
onde o medo nos vai constituindo na sua família.

Muitas vezes nem penso, fujo para outras noites,
quando bebíamos só para foder ou falar e dispúnhamos
os nossos livros de instruções abertos, escutando
canções de amor ou apenas de dor. Leonard Cohen
era nesses tempos uma espécie de profeta
para as nossas almas menos perdidas.
A sua insistência na perfeição dos versos
acomodava-nos a estes lugares comuns
em tudo imperfeitos, rasgáva-nos no peito
a sensação de estarmos quase vivos e o horror
de já sabermos que haveríamos de nos perder
como perdemos.

Entre as nossas noções desapareceram documentos,
já não há provas, o amor foi-se. Se alguma fé nos sobra
é tão instintiva como a ideia de que haverá ainda crianças
que nos pedem para nascer. Cada vez menos nós
e mais os retardados efeitos de termos nascido
para um mundo que escolhe as piores alturas
para nos lembrar que ainda estamos vivos
com todas as desvantagens que isso implica

_____depois disso o poema volta à anatomia
dos corpos acidentais, à breve efervescência
dos venenos e aos convívios apressados
a meio de todos estes corredores da morte
que partilhamos com fantasmas e jovens pedrados,
generosas tristezas que nos entregam versos de mão beijada
lábios azuis ou roxos, os tons
por onde o frio implode diversas identidades
e as amachuca umas contra as outras, para as tornar
copiáveis e as imprimir a preto e branco,
descaracterizadas, segundo género e idade

sinalizando as faixas para o trânsito nas horas
de mais e menos ponta, consumamos
todos os maus exemplos, orgulhosos
moluscos e outros invertebrados,
solidões invioláveis, com os anjos desencantados
olhando de uma distância segura
descascando a fruta da época e cruzando
os dedos para que algo de terrível nos aconteça
só para terem onde espantar o aborrecimento

o silêncio intercede um pouco
por todos nós, enquanto ainda se pode ouvir
o eco do coração que resta à noite
depois da morte do seu poeta preferido

entre nós trocamos o desânimo, as notas
sobre as ausências que decorámos e todas
as presenças menos estranhas
e influências às quais sobrevivemos,
pequenos sacos, dicas e truques sobre tolerância
às substâncias que nos salvam da vida,

às vezes caminhamos alguns passos
sobre a possibilidade de um consolo
um corpo quase escuro
onde nos possamos esconder
na hora que antecede a desilusão matinal

no final somos os habitantes que vivem ainda
na última cidade onde os eléctricos passam
e recolhem os rostos cobertos dos pontuais amantes
que atravessaram os lugares de engate à procura
de um novo corpo à espera de provar
as maravilhas mais imediatas
que o mundo tem para nos oferecer



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