sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Less than zero

On a long enough timeline,
the survival rate for everyone
drops to zero.

estamos vagarosa e lentamente a inclinar-nos para o desespero-
o mau estado em que já encontramos os corpos, carcomidos
pela insensibilidade do tempo, como ruínas, paisagens sombrias
e desoladas, as intragáveis mulheres, frágeis, belicosas,
difíceis primeiro e logo depois tão horrorosamente fáceis
cercando a breve erecção do mijo ao início da noite
boca aberta e aquele olhar que estrangula
qualquer delírio erótico que possa ter-se reservado
e por fim, para dar cabo de tudo, um pedido de desculpa
sincero e aquelas lágrimas com o peso salino da derrota,
o naufrágio do barco do amor, depois resta-nos um passeio no lago
e uma-ela-seguida-de-outra, ostentando sorrisos que conhecemos de cor
e que sabemos terem uma validade demasiado curta,
e remamos e remamos às voltas, sem sentido, até ao cansaço

temos pouco para o contentamento depois que nos apercebemos
que há pouca substância melódica nos improvisos onde a vida encaixa
os nossos acordes preferidos, é terrível perder mas no poema
sou obrigado a concordar contigo morena - por mais talheres,
por mais garfos e facas ou colheres de café que tenhamos
para tirar medições à vida, ela sempre se escapa
e tudo finalmente se perde

deparamo-nos então com o mesmo lado das estradas
que já não bifurcam para lá dos limites da imaginação,
em casa a biblioteca ultrapassa-nos em todos os sentidos
e na secretária a esferográfica quieta parece em si mesma
um apontamento genial e tenebroso, uma imobilidade perfeita,
fixamos o fundo vazio dos envelopes, o contra senso dos relógios
o prazer volátil no desengonço dos pensamentos, revisitamos
vivências adulteradas sem o nosso consentimento, somos
cada vez mais o desuso das coisas e o esquecimento
redigimos pequenos salmos, cantigas para as quais não temos voz,
cada membro se move para afastar o formigueiro, a dormência
e entre os obstáculos e as restrições vislumbramos um resquício da paixão

a cidade que se agarrava aos teus gestos e parecia
redesenhar-se à medida que os teus passos se decidiam
sobre as silenciosas calçadas que esconderam
tantos corações desviados - ainda te avisei: será tarde demais
quando quiseres voltar, já terão murchado todas as resiliências
daquilo que em tempos foi complemento dos nossos sinais de vida
das nossas ruas ficará o pedregoso sigilo e nos canteiros
apenas umas breves flores transparentes, com alergia ao sol
e de uma qualidade inodora, qualquer gato vadio
que se atravesse no teu caminho perseguindo uma última folha
não terá curiosidade, passará sem nem te lançar uma suspeição
só encontrarás simetrias desinteressantes, projectos largados a meio
as coincidências que nos provocam e cansam nos lugares
onde desfaleceu o meu diastólico batedor rastreando
qualquer sinal de um corpo que se pudesse assemelhar ao teu

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