sexta-feira, janeiro 18, 2008

os trabalhos de casa, um estojo com o essencial
o lápis, a borracha, o afia, uma lâmina
os livros da escola, e outros livros que tratam os assuntos
de uma forma menos desinteressada, menos generalista
explicando a necessidade de alguns objectos de precisão,
itens cortantes, o desenho cuidadoso de certos
instrumentos de tortura, adjectivos escolhidos a dedo
por uma inteligência perversa e metódica
certas insinuações sobre oportunidades imprevistas
subitamente um ponto de interrogação paira
sobre essa característica que nos tornaria puros
a tal inocência, como se isso nos desculpasse
num lugar onde nos ensinam ao mesmo tempo
que a beleza nos exige mais que qualquer outra coisa
sacrifício e paciência
é aí, na linha maliciosa de um sorriso
que estão as vítimas perfilando-se contra um céu neutro
branco, uma sã dentição, um interminável código de barras
as entrelinhas num texto de simples instruções
não fosse tão erudita a linguagem
quando apenas disserta sobre trivialidades
como a forma como certas flores murcham num instante
enquanto outras demoram vários dias a esmorecer
e olhando para trás
galerias de enforcamentos
a humana apatia, humana afasia, humana atambia
deus não foi despachado, o trabalho não foi profissional
não está completamente morto, está meio morto
no nosso silêncio ainda lhe ouvimos um estertor
mas deus não nos pode culpar por sermos assim
ambiciosos, para o bem ou para o mal
esperando pela consagração, pela santificação
ou pelo apuramento das nossas piores tendências
a criminalidade dos nossos pesadelos, pensamentos,
sonhos, desejos - não há lugar para todos no plateau
mas há muitos de nós, muitos sem um plano
porque haveriam uns de se cingir
perante a ingenuidade inocente dos outros
para quê recriminar um golpe, a ambição de um arrivista
que bem moral é esse que só prossegue a nossa regular
dissolução nos arquivos de uma história incapaz
de contar as coisas como elas são,
uma história que julga segundo o sensacionalismo da estúpida emoção,
a debilidade crente do homem médio, essa máscara que cobre
a face do público, sejamos honestos por uma vez
as asas com que sonhámos não eram as do avião
os opiáceos revelaram-nos o esquema doente
de uma racionalidade que infecta e desintegra
a noção real do caos em que vivemos
depois de se dissipar a nuvem cor-de-rosa
deixou-nos sem nada, sóbrios, tristes
não existem truques para anular isto
o aluvião das memórias assegura-nos
que mesmo nós que somos breves esquecemos demais
e que a farsa só dura enquanto quisermos fazer parte dela
depois disso somos um pouco mais livres mas os mesmos
no fim de contas a maior liberdade
que podemos esperar é aquela que nos livra
de nós próprios... paciência jovem, paciência

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