sexta-feira, janeiro 04, 2008

Kaddish for my Lucky Strikes

Aproveitando um post recente do Diogo que falava de cigarros, dou por mim a escrever algumas ideias e sensações que a recém promulgada lei anti-tabaco foi deixando na minha cabeça nestes seus ainda poucos dias de vigência.
Primeiro que tudo, é preciso que saibam que eu sou um fumador. Irregular, mas, apesar de tudo um fumador. O que acabei de fazer, nos dias que correm, como alguém bem reparou, equivale a assumir a minha identidade semelhante à dum cão. Parece ridículo mas as mesmas portas de grandes superfícies que ostentam redondíssimos autocolantes a proibir a entrada a cães, incluem agora, também, uma nova espécie de autocolantes onde se vê um boneco a segurar um cigarro com um traço vermelho-proibido por cima. Em alguns centros comerciais é também proibido tirar fotografias. Mas sabem que autocolante simboliza isso? Uma máquina fotográfica riscada por um vermelho-proibido, sem qualquer inclusão dum boneco na foto. Isto faz-me logo pensar uma coisa: não são só os meus cigarros que não são bem-vindos naqueles espaços, eu próprio também não o sou.
Outra coisa que comecei a notar nestes últimos dias foi a arrogância dos não-fumadores. Nunca tiveram aquela sensação, quando param numa passadeira, de que o peão olha para nós com cara de quem está a pensar: “Olha para este com o seu belo, deve ter a mania. Fica aí paradinho à espera que eu me digne a passar”? Hoje, à porta das Amoreiras, enquanto fumava um cigarro depois do almoço, fui atacado por olhares exactamente iguais a este. Quase parecia que aqueles não-fumadores estavam radiantes de me ver ali a apanhar um frio siberiano conjugado com uma ventania mongol e uma chuva londrina, tudo só por causa de ter acendido um pequeno cilindro de papel, alcatrão e nicotina. Uma coisa de que ninguém é capaz de me demover é da convicção de que, maioritariamente, é a mim que estou a fazer mal e, só numa percentagem muito menor, é que afecto os outros. Reparem que estou a falar de fumar em espaços grandes, como as Amoreiras – local arejado e espaçoso –, não numa pequena Tasca do Xico ou coisa parecida.
Mas há ainda outra coisa, uma que um amigo, também fumador, me recordou: as pessoas mais interessantes e activas deste mundo fumam. Por algum tempo pensei nisto e dei-me conta de que é verdade. As pessoas mais interessantes e activas que conheci até hoje ou fumam ou fumaram, quer sejam cigarros ou qualquer outra coisa fumável. Pergunto-me então, neste blogue maioritariamente literário, se os Ginsbergs, Pessoas e Rimbauds da nossa história teriam escrito as mesmas coisas se não pudessem fumar à vontade? O vício do fumo, como qualquer outro vício, é uma lei tão poderosa dentro da criação literária como a gravidade o é no Universo.
Não sei bem que poemas o fumo me ajuda a escrever, mas sei aqueles que a falta de fumar me obriga a não escrever por estar a roer as unhas, a roer a tampa da caneta ou a mascar pastilhas de nicotina que mal funcionam. Já que se pedir para me deixarem fumar corro o risco de ser olhado como um carrasco dum campo de concentração com a alavanca duma câmara de gás na mão, reformulo o pedido: deixem-me escrever!

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