sexta-feira, janeiro 04, 2008

ela agarra-se a ele depois de sentir o coração nas mãos. ele foi o primeiro, o que não abona a seu favor, neste caso é o mesmo que dizer que podia ter sido ele ou outro. foi ele. e é dele que ela sem esperar muito conseguiu essa promessa mortal de amor, uma promessa tão suficiente como falsa para calar na fábrica sensível da sua pele a recordação de um coração rejeitado. os dois uniram-se como se unem certas palavras numa sintaxe ilógica mas que por momento se justifica com olhares melosos e canções pirosas partilhadas numa vida em comum. de resto as correias surgem num chocalhar mágico, atravessando as fendas no chão encantando a casa com uma força magnética. o que eles não pretendem saber já - é que estavam os dois demasiado necessitados de salvarem alguém e por isso de serem salvos. o amor dos meninos de hoje, aqueles que um dia corajosamente bradaram aos céus motes como sempre não, são hoje vítimas impossíveis, olhos que procuram ser revogados na leitura das páginas de melancolia que arrastam consigo, que tentam mascarar-se frente ao espelho onde se miram. do outro, além da promessa, esperam o elogio em constante evolução, de resposta rápida e capacidade perfeita de adaptação às crises completas que deram origem a devastadoras obras de literatura. por esta altura já é escusado referir que arrumaram quaisquer pretensões que tivessem de virem a tocar mais fundo a nua alma humana. enrodilham-se no frio um do outro e suspiram um calor produzido à custa de tanto se esfregarem, os corpos vermelhos de entusiasmo, um calor que dura o engano de um milagre. e depois adormecem frios, sonhando com limites que não estão bem ali, não estão assim tão próximos. afinal o amor nunca foi uma descoberta feita a frio, o amor nunca foi uma desculpa para sensibilidades que precisam ser depuradas, o amor nunca validou as construções débeis de ninguém, não por muito tempo. agora um pedido de afecto é um pedido de atenção, um pedido de mais, mais amor como se o amor viesse às doses, mas não vem, o tal amor, essa promessa mortal, torna-se uma exigência sufocante e os dois atearão fogo à cidade para saciarem uma vingança. a promessa não será cumprida, as contas não serão saldadas e o mundo voltará a ser desmascarado, a sua expressão fria irá olhar para o pequeno coração e soprar um vento gélido que irá arrefecer até as esperanças que um dia foram legítimas entre dois românticos, duas pessoas que não esperaram, duas pessoas que quiseram contratar o amor como uma doméstica vinte e quatro horas todos os dias da semana, um escravo, uma solução mágica para esconder as imperfeições de uma casa igual às demais. mas a magia é um engano como é um engano a palavra sempre.

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