sexta-feira, janeiro 25, 2008

Bonecas

Somos um pouco plásticas, bonecas,
preocupadas com a aparência, a beleza
que a morte a crédito nos faz pagar.
Ficamos, invejando a porcelana, encostadas
aos dias, enfeitando divisões de casas
com as suas tradições e o pó difícil,
que custa tanto limpar, à medida que
assenta nas fotografias de quem não pôde
ou não quis esperar mais. Aguentamos
os maus tratos da vida, que brinca connosco
e nos parte, às vezes um braço ou uma perna,
muitas vezes aquilo que insistimos ser
um coração. Escutamos o batimento
vindo do peito que um dia por fim se cansa,
se cala e vai embrulhado no plástico
para o negro silêncio da terra.

Mas não devemos ser sombrias, aliás,
o sorriso que nos vincam nas plásticas caras
desde a infância, sempre que nos tiram
a fotografia, serve mesmo para nos educar
o medo, e nos mostrar como se contraria
a incontrariável morte.

Na maior parte do tempo mantemos
a postura, fingimos o melhor que sabemos,
mas às vezes apetece-nos ser menos plásticas,
escrever um poema, sentir o coração que nos fala
como se tivesse urgência em dizer tudo
enquanto a última prestação não se vence
e a morte se esgueira e o alcança.

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