quinta-feira, agosto 09, 2007

Trigo seco

Que o mundo rode, role, rebole
que diferença isso faz
tu estás de alguma maneira
apenas com uma mão dentro desse fogo
que alastra sem se decidir sobre os nossos corpos.
Demoras-te indiferente dia-a-dia
e só a certa altura os gestos carbonizados
te indicam pela repetição dos erros
que o tempo é um problema.
O mundo não te entra pelo quarto adentro,
ressona numa outra divisão
e o seu sono de sonhos é um murmúrio
que te devasta e torna as noites eternidades
insones, enquanto os dias são gratinados
de sabor enjoativo, uma azeda receita
que cozinharam para ti numa dose absurda.
E ficaram tantos restos selados em tupperwares
que chegam bem para toda uma vida de náuseas.
Tu comes para matar qualquer coisa
como a fome que não tens.
A comida não se pode desperdiçar.
E devias dar graças a um deus
porque muitos passam fome
e dói-lhes a vida. A ti falta-te o apetite
e tudo te cansa, mesmo mastigar.
Tudo te cansa, a vida que é sequência
e o tempo que faz rodar a tua cabeça
como as velas de um moinho,
um barco enterrado na tristeza insana
de um movimento constante, contínuo
como se alguma coisa pudesse mudar
mas apenas se mói a paciência
da qual te ficam os pensamentos
estes grãos de trigo seco
na boca, nos dedos, nos olhos
e tu choras
à porta da tua fábrica de ilusões.

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