segunda-feira, agosto 20, 2007

Tradutor disponível

Quero traduzir qualquer coisa
a partir de uma linguagem estranha
uma que eu não entenda
e quero que seja um poema,
uma elegia ou uma ode
qualquer coisa extensa
que demore algum tempo a ler
e quero que seja de um autor
com um nome assim... portentoso
mas um autor desconhecido,
para que ninguém me chateie
e tente desvalorizar o meu esforço.
Na boca desse escritor quero enfiar
uma série de maluqueiras, sugestões
de traumas infantis, violações, porrada
putaria, álcool, drogas, experiências
que desvalorizem esta coisa da morte
que anda atada em cada canto
destas paredes. Quero dar a sensação
que ele sabe coisas, mas as esconde para si
- isso, aliás, não será um problema já que
todos os grandiosos dizem que sabem
só não dizem o quê - quero que ele
me faça procurar palavras novas
como se abrisse ao calhas um dicionário
ou mesmo a bíblia, sim, citar umas frases
tirá-las do contexto para parecerem
que são coisas que Deus diria...
Puxa quem me dera traduzir Deus!
Talvez, Deus, sim, não não isso está
muito visto, agora toda a gente
fala para aí com deuses, a alexandra solnado
e um bando de desempregados, não
para isso era preferível o Demónio,
se não fosse tão chato fazia isso
teria fãs de certeza, mas também não estou
para aturar essa gente. Ainda vou pensar nisso
talvez continue a escrever em meu nome
é um nome qualquer, não tem menos valor que eu
a ele só devo a obrigação de respeitar o meu pai
isso eu tento, não escrevo todas as parvoíces
que penso, não sou muito moderno.
Pergunto sempre a quem passa se vale a pena
outro poema ou se o rasgo
(tenho sempre o dedo na tecla delete)
atiro para debaixo do tapete muitos fracassos
e deixo outros melhor disfarçados, mas
preciso de me dedicar à tradução.
Os outros nunca fracassam como nós
tudo o que vem de outro é mais uma vírgula
não lhe sentimos o peso que sentimos
quando escrevemos assim, parece
sempre que esta pode ser a última vez
que tivemos o atrevimento.
Poesia poesia poetas, que atrevidos
somos, mas não faz mal se ninguém
se chatear nunca saberemos,
talvez nos possamos convencer
que valeu a pena experimentar em verso
aquilo que nas linhas da prosa
ilustra muito mais esta ingurgitação,
as teias do cárcere de onde gritamos
pedindo a quem passa do lado de fora
para ficar por ali e nos ouvir
contar umas lérias
sobre o que não se passa
de interessante
cá dentro.

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