domingo, agosto 26, 2007

Espantalho


este verão desgraça-se
nestes primeiros
indícios de vergonha e desapontamento
os bolsos voltam rasgados
como os olhares que se perderam
para além do mar
numa indistinta figura
de lábios comprometidos
que esperávamos que tivessem um beijo para nós
mas que tomaram o rumo
da noite
e esqueceram-nos

quis tocar uma mulher
nenhuma com nome próprio
o nome era a visão
a mulher que várias vezes
não toquei
toquei-me a mim mesmo
descontrolado obsessivo
e senti para lá da carne
o esqueleto
a dor dos ossos
destinados à imobilidade
sem o sonho
numa cova
entre vermes indiferentes
à cor do céu ou à linha estúpida
onde me vejo
uma criança enérgica
saltando à corda do horizonte

sou um junquilho sem aroma
afectado pela sede de tantas carências
sou um espantalho que passa todo o tempo
a falar com os corvos nos seus ombros
sobre o destino para onde caminhará
depois de espantar todos os pássaros

o calor e o frio passam
pela minha cama
e ouvem-me as promessas
durante o sono
fantasmas deitam-se na minha pele
e beliscam-me sempre que suspiro de desejo

estou só e aprendo
a conviver
com as urgências mais químicas
descobrindo que afinal sou livre
como mais ninguém da minha idade ainda é
sei que nada me interrompe
a meio de um devaneio
e sei que um dia
quando estiver longe daqui
vou desejar voltar atrás
recomeçar de novo
e o ponto
de onde quererei
recomeçar será
precisamente
este(.)

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