I
Acordo depois de um fracassado exercício de sonho,
o relógio diz-me que tive azar e que é ainda
uma hora inconveniente, mas pelo menos a noite passou.
Porque bastam alguns passos vou além da casa de banho
e sento-me na areia, tenho à minha frente isto
que ainda é uma praia. Trouxe o medo do Al Berto
mas ainda é cedo para sentimentos tão fortes.
As palavras dele fazem despertar, pequenas, as minhas
(agora não te preocupes que eu não vou percorrer
as coisas inúteis que vejo daqui e que tu vês também
se fechares os olhos - imagens destas são, neste país,
demasiado gratuitas).
Estendo um olhar ao comprido e um madrugador
que passa entra nesse caminho como se viesse convidado.
Senta-se do meu lado e chuta o silêncio de forma típica
- a vida é uma coisa difícil (reticências)...
Eu que até gosto de palavras só tenho um pois para a troca.
Não sou fã de inícios muito sinceros, não auspiciam nada de novo,
mais a mais nem me acertou no capítulo da afinidade -
se eu quisesse ser sincero teria que discordar,
apesar deste olhar afundado se me queixo da vida
é para ter motivo de conversa.
Apesar de tudo e apesar de ter o Al Berto sentado no colo
ele insiste mesmo sobre as minhas evasivas e quer
fingir que se interessa. É curioso, um brasileiro
numa praia portuguesa a tentar convencer
um português a não ser tão português,
mas eu já sei que estes encontros no máximo
servem para poemas refractados
e antes mesmo de ele se virar e adormecer
já o estou a diluir no sono dos versos onde,
sem precisar de lhe pedir autorização, o deponho.
Às vezes o conforto da poesia está nisto - escrever
sobre quem nunca nos vai ler.
II
Noto que a praia ainda faz sentido momentos antes
de ser enfiada no ritmo das primeiras pessoas,
cada corpo lento que se junta ao meu
traz consigo um sinónimo diferente para a minha antipatia.
Quando a praia deixa de ser praia é como se nos entrassem
pela casa de banho adentro, somos obrigados a desistir
porque já não temos para onde olhar.
A praia cede à transumância dos corpos que se exercitam
ansiosos em afastar os sinais exteriores daquilo que já se sabe,
mais cedo que tarde, vem aí.
Antes de ir ainda me pergunto se ali naquele íntimo primeiro suor
ao menos tentam sacudir igualmente os sinais interiores.
É-me indiferente para falar a verdade, nenhuma resposta
poderia fazer-me sentir melhor, mas depois de destilado
algum deste meu desprezo colado nesses reflexos de mim,
volto atrás, à casa de banho, onde mais próximo do espelho
hei-de redigir estes versos sem forma nem rima, nem razão de ser.
Entretanto reparo que o brasileiro acordou e na última imagem
em que me apanha, estou eu, estranho, a fugir
Ainda antes de entrar em casa vejo a padaria, uma que tu
não consegues imaginar - farta das coisas que eu e tu queremos
e de outras que nunca provámos - mas desta vez não entramos
porque apesar do apetite matinal não vou alinhar este poema
naquela longa fila de pessoas, porque afinal é destas abnegações
que alimentamos a nossa solidão.
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