sexta-feira, dezembro 01, 2006

Peso da vergonha


Ele nunca foi de se mexer muito mas últimamente já não era coisa a que pudessem chamar preguiça, ele simplesmente não se mexia, quase não se mexia, era tão raro mexer-se que só o fazia quando lhe doía mais do que se não o fizesse. O que ele dizia era que uma dor forte o atacava sempre que mexia um muscúlo e mesmo sem se mexer sentia a dor e só se aliviava dela quando não se sentia no corpo e não sentia nada a não ser o seu peso sobre a cama, e, mesmo assim, doíam-lhe as costas, cansadas, esmagadas contra os lençóis e o colchão. Era uma cama estreita, fétida... O corpo dele parecia um galho comprido, estendido, inerte. Com a cabeça ligeiramente erguida por uma almofada baixa, espreitava o canal de televisão que ficava a dar todo o dia enquanto alguém não tinha o tempo e a paciência de fazer zapping e procurar uma programação melhor.
A sua língua estava atrofiada e se raramente ele dizia alguma coisa dizia-o sibilando e só um ouvido encostado à boca o podia escutar.
Era um vegetal, uma alface apodrecendo depressa, já não havia verde, estava quase em cinza e carvão e mesmo os olhos pareciam os de um morto.
Nunca fora belo mas agora nem feio era e a última vez que se ergueu totalmente o que viu foi a sua imagem reflectida. Não quis voltar a ver-se nunca mais.

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